Etiquetas
É uma espécie de itinerário de busca…, de busca da mulher e do amor, o caminho que os poemas de António Ramos Rosa (1924-2013) a seguir transcritos, nos convidam a percorrer.
Os poemas têm, por um lado um aroma de enigma, do enigma das coisas intuídas, e acrescentam-lhe o sabor do ritmo que distingue a poesia de outras formas de dizer.
A mulher A casa
A casa é viva
(A mulher dorme)
Dorme na espuma
nas cores puras
Dorme na espuma do silêncio
Planos brancos
e cores lisas
Dorme no vidro
tranquilo
Dorme viva
A casa é branca
É mais branca no silêncio
É mais branca entre as árvores
A própria cidade é branca
A cabra
cheirou a casa
cheirou o branco
O puro nó
do silêncio
Chego em silêncio
à mulher viva
dormindo
A casa é ela
em espiral
rodando
branca
É fino o ar
quase sem pó
Uma árvore dá
uma curta sombra
Uma brisa lava
a casa fresca
A varanda nua
é seca e branca
com sede de mar
A varanda é nua
A mulher é nua
Da casa branca
vê-se o mar
o fulvo dorso
da praia
nu
mulher de areia
deitada e panda
na frescura azul
Uma vela branca
de minúcia fresca
dá ao olhar a brisa
dá ao silêncio o mar
A mulher dorme
viva
na espuma
do silêncio
Onde o caminho
Onde o caminho é a mão que se abre,
a mão que vai.
O silêncio que respiro é o caminho que vem.
A mão nova palpa a parede do ar.
Uma parede nova.
Caminho para o solo alto.
Desloco a terra.
O fragor branco do céu.
O dia não estala.
Termino com o perfume de erotismo que o poema Onde é aqui exala.
Onde é aqui
Onde é aqui,
o centro,
onde se respira,
a cama limpa
o corpo inteiro e nu.
Onde é a fome e o braço toca
o esplendor.
Respira o ventre,
a vela incha
ao sol e ao mar sem fim.
Onde é aqui,
a fome nua,
a árvore exacta
no centro
da alegria,
a luz e o olhar
aberto ao mar.
Poemas transcritos de A Palavra do Lugar, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1977.
A imagem de abertura respeita a uma pintura de William-Adolphe Bouguereau (1825-1905).