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Iluminura 13x500Passada que está a atmosfera entre euforia de compras, coração aberto aos outros para encontrar a prenda que mostra a nossa gratidão, e a intensidade do sentimento religioso vivido por crentes, venho com poemas que falam de sonhos, de amor e do seu fim, e não da pungente realidade que afinal nos cerca. Mas pelas voltas caprichosas da poesia talvez não seja em vão pois:

na rua do firmamento a luz caminha espalhando poemas

Comecemos pelo amor

é em momentos depois de ter sonhado

com o raro entretenimento dos teus olhos,

quando(ficando aquém da ilusão)tenho pensado

 

na tua singular boca que o meu coração tornou sábio;

em momentos quando a cristalina escuridão sustenta

 

a verdadeira aparição do teu sorrir

(foi por entre lágrimas sempre)e o silêncio molda

essa estranheza que ainda há pouco como minha pude sentir;

 

momentos quando os meus outrora mais ilustres braços

estão cheios de encantamento,quando o meu peito

usa a intolerante luminosidade do teu regaço:

 

um agudo momento mais branco do que os outros

 

—voltando da terrível mentira do sono

vejo as rosas do dia crescerem recônditas.

continuando com o poeta:

e é dia,

 

no espelho

vejo um frágil

homem

sonhando

sonhos

sonhos no espelho

neste viver onde tudo cabe, do banal ao excepcional o dia corre,

e é

o anoitecer           sobre a terra

 

uma vela é acesa

e está escuro as pessoas estão em casa

o frágil homem está na cama

e pensa no amor fanado que é o seu:

pode não ser sempre assim;eu digo

que se os teus lábios,que amei,tocarem

os de outro,e os ternos fortes dedos aprisionarem

o seu coração,como o meu não há muito tempo;

se no rosto de outrem o teu doce cabelo repousar

naquele silêncio que conheço,ou naquelas

grandiosas contorcidas palavras que,dizendo demasiado,

permanecem desamparadamente diante do espírito ausente;

 

se assim for,eu digo se assim for—

tu do meu coração,manda-me um recado;

para que possa ir até ele,e tomar as suas mãos,

dizendo,Aceita toda a felicidade de mim.

E então voltarei o rosto,e ouvirei um pássaro

cantar terrivelmente longe nas terras perdidas.

mas a vida exige-nos, e regresso ao poema que pelo meio da conversa esquartejei:

as horas levantam-se despindo-se de estrelas e é

o amanhecer

na rua do firmamento a luz caminha espalhando poemas

 

sobre a terra uma vela é

apagada          a cidade

desperta

com uma canção sobre a

boca tendo a morte nos olhos

 

e é o amanhecer

o mundo

sai para assassinar sonhos….

 

vejo a rua onde vigorosos

homens se alimentam de pão

e vejo os brutais rostos de

pessoas contentes hediondas desalentadas cruéis felizes

 

e é dia,

 

no espelho

vejo um frágil

homem

sonhando

sonhos

sonhos no espelho

 

e é

o anoitecer           sobre a terra

 

uma vela é acesa

e está escuro as pessoas estão em casa

o frágil homem está na cama

a cidade

 

dorme com a morte sobre a boca tendo uma canção nos olhos

as horas descem,

vestindo-se de estrelas….

 

na rua do firmamento a noite caminha espalhando poemas

Os poemas, de E.E. Cummings (1894-1962), foram transcritos de livrodepoemas, em tradução de Cecília Rego Pinheiro, edição Assírio & Alvim, Lisboa 1999.

Do segundo poema, soneto atípico, fez Manuel Bandeira (1886-1968) um deslumbrante soneto de amor e do seu esperado fim, com que remato esta viagem.

Soneto

Não será sempre assim… Quando não for,

Quando teus lábios forem de outro; quando

No rosto de outro o teu suspiro brando

Soprar; quando em silêncio, ou no maior

 

Delírio de palavras desvairando,

Ao teu peito o estreitares com fervor;

Quando, um dia, em frieza e desamor

Tua afeição por mim se for trocando:

 

Se tal acontecer, fala-me. Irei

Procurá-lo, dizer-lhe num sorriso

“Goza a ventura de que já gozei.”

 

Depois, desviando os olhos, de improviso,

Longe, ah tão longe, um pássaro ouvirei

Cantar no meu perdido paraíso.