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Só é meu
O país que trago dentro da alma.
Entro nele sem passaporte
Como em minha casa.
Ele vê a minha tristeza
E a minha solidão.
Me acalanta.
Me cobre com uma pedra perfumada.
Dentro de mim florescem jardins.
Minhas flores são inventadas.
As ruas me pertencem
Mas não há casas nas ruas.
As casas foram destruídas desde a minha infância.
Os seus habitantes vagueiam no espaço
À procura de um lar.
Instalam-se em minha alma.
Eis porque sorrio
Quando mal brilha o meu sol.
Ou choro
Como uma chuva leve
Na noite.
Houve tempo em que eu tinha duas cabeças.
Houve tempo em que essas duas caras
Se cobriam de um orvalho amoroso.
Se fundiam como o perfume de uma rosa.
Hoje em dia me parece
Que até quando recuo
Estou avançando
Para uma alta portada
Atrás da qual se estendem muralhas
Onde dormem trovões extintos
E relâmpagos partidos.
Só é meu
O mundo que trago dentro da alma.
Neste poema de Marc Chagall (1887-1985), em tradução do poeta Manuel Bandeira (1886-1968) encontramos a chave para pormenores recorrentes da sua pintura, como seja o par vagueando no espaço, as faces duplicadas, e por aí adiante. Mas o poema dá-nos mais: dá-nos o retrato de um homem a quem a vida expatriou nas circunstâncias materiais e morais difíceis das perseguições aos judeus na Rússia de finais do século XIX e início do século XX, e que ficaram como marca de água na sua pintura pela vida fora. De entre o que pintou, encontramos nos auto-retratos uma variedade expressiva que os inclui entre as suas grandes obras, e que a pretexto do poema aproveito para trazer ao blog.
Tradução do poema por Manuel Bandeira (1886-1968) publicada em Estrela da Vida Inteira, 20ª edição, 30ª reimpressão, Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2002.
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Uma (duas!) descobertas impressionantes! O poema e o blog!
❤
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Brilhante abordagem! Parabéns!
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Obrigado!
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Pingback: Um poema de Chagall acompanhado de auto-retratos | Glamour Mary
Interessante!
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Numa primeira análise a este Blog, impressiona-me o grande trabalho q aqui está a ser realizado. Os meus parabéns pelo bom contributo q estão a dar à Poesia. Sempre q puder vou passar por aqui, p analisar mais detalhadamente o V/trabalho e ver se poderei eventualmente dar algum contributo. Parabéns. Francisco.
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Li pela primeira vez e…. gostei imenso.
Obrigada
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