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Continuo com o homem lido poeticamente por vozes femininas, e desta vez vamos até terras da Rússia para um poema de Marina Tsvetáeva (1892-1941).

Na Rússia, a comemoração do Dia Internacional da Mulher em 1917 deu o arranque para a revolução bolchevique de Outubro de 1917.

O poema escolhido encontra-se no livro Depois da Rússia (1922-1925) e transcrevo uma tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra.

A dois, mesmo a alegria

Das manhãs é apertada.

Desviando-nos a fronte

E metendo-se entre si.

 

(Porque o espírito é – peregrino

E anda sempre sózinho),

Baixando o ouvido até

Aos barros primordiais –

 

Ouve, mas ouve, Adão,

O que junto à nascente

As veias rumorejantes

Dos rios dizem – às margens:

 

Tu és rumo e és meta,

És a pegada e a casa.

Não se podem desbravar

Nenhumas terras a dois.

 

Para o campo celeste das frontes

És ponte e explosão.

(Deus é omnipotente

E entre todos ciumento.)

 

Ouve, mas ouve, Adão,

O que junto à nascente

As veias rumorejantes

Dos rios dizem – às margens:

 

Cautela com o criado:

Na casa do pai, na hora

Majestosa da trombeta,

Não entres como escravo.

 

Cautela com a mulher:

Livre da carne mortal

Na hora nua da trombeta

Não leves os teus anéis.

 

Ouve, mas ouve, Adão,

O que junto à nascente

As veias rumorejantes

Dos rios dizem – às margens:

 

Cautela! Sobre alicerces

Parentais não edifiques.

(Porque mais forte que – ela,

Só – ele, no coração.)

 

Digo-te, não sejas a águia

Para ti a tentação –

Ainda hoje David

Amarga a sua alta queda!

 

Ouve, mas ouve, Adão

O que junto à nascente

As veias rumorejantes

Dos rios dizem – às margens:

 

Tem cautela com as tumbas:

Mais ávidas que rameiras!

Houve morto e apodreceu:

Com as tumbas tem cautela!

 

Só lixo, das verdades de ontem,

Resta em casa – fedorento.

Mesmo os restos mortais,

Oferece-os ao vento!

 

Ouve, mas ouve, Adão,

O que junto à nascente

As veias rumorejantes

Dos rios dizem – às margens:

 

Cautela…

8 de Agosto de 1922