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Passeamos pelas ruas de Lisboa neste verão de Maio, e o inesperado do azul dos jacarandás floridos, fundido com o céu, enche-nos o olhar.
Este ano aconteceu mais cedo, e a cidade dos poetas estará vestida de azul até aos Santos Populares se a natureza cumprir a sua função.
Em pausa de passeio aqui fica esta visita de Eugénio de Andrade (1923 – 2005) a Lisboa.
EM LISBOA COM CESÁRIO VERDE
Nesta cidade, onde agora me sinto
mais estrangeiro do que os gatos persas;
nesta Lisboa, onde mansos e lisos
os dias passam a ver as gaivotas,
e a cor dos jacarandás floridos
se mistura à do Tejo, em flor também,
só o Cesário vem ao meu encontro,
me faz companhia, quando de rua
em rua procuro um rumor distante
de passos ou aves, nem eu sei já bem.
Só ele ajusta a luz feliz dos seus
versos aos olhos ardidos que são
os meus agora; só ele traz a sombra
dum verão muito antigo, com corvetas
lentas ainda no rio e a musica,
o sumo do sol a escorrer da boca,
ó minha infância, meu jardim fechado,
ó meu poeta, talvez fosse contigo
que aprendi a pesar silaba a sílaba
cada palavra, essas que tu levaste
quase sempre, como poucos mais,
à suprema perfeição da lingua.
1986
Lisboa é pouco frequente na poesia de Eugénio de Andrade, embora sendo a sua uma escrita da terra onde a memória dos lugares perpassa, uma que outra passagem por Lisboa foi pretexto de poema, tal este LISBOA:
LISBOA
Esta névoa sobre a cidade, o rio,
as gaivotas doutros dias, barcos, gente
apressada ou com o tempo todo para perder,
esta névoa onde começa a luz de Lisboa,
rosa e limão sobre o Tejo, esta luz de água,
nada mais quero de degrau em degrau.
Noticia bibliográfica:
Os poemas foram transcritos de POESIA E PROSA [1940 – 1986], 3ª edição aumentada, editado por Circulo de Leitores em 1987.