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Sobraremos em versos nos dias futuros — poemas de Vítor Matos e Sá

26 Segunda-feira Jan 2015

Posted by viciodapoesia in Poetas e Poemas

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Vitor matos e Sá

Jackiewicz W - Obras XII 1995Nada mudou

podes vir

de novo e com

o mesmo nome.

 

Em qualquer lugar

a distância para a morte

é a mesma.

 

Desigual é apenas

a vida que perdemos…

 

Com este poema encerram os compiladores o livro póstumo de Vítor Matos e Sá (1926-1975), Companhia Violenta, Coimbra, (1980). Livro de variada escolha, nele abundam os poemas de amor:

 

Misturo os teus gestos com os dias

para não os perder inteiramente

 

A poesia de Vítor Matos e Sá entranha-se-me mais e mais a cada leitura. Transcrevo hoje, e ainda deste mesmo livro, mais alguns sábios e tocantes poemas que de amor falam:

…

— afago

para a faminta solidão

dos ombros —

…

 

*

O amor ensina-me

a dizer-te gesto a gesto

até que cantar-te

pareça feito apenas

de beijos — e crê

cantar-te assim

não vem da perícia

mas dos anos.

 

**

Trouxeste-me até

à cama intacta

do teu corpo e à verde

transparência dos teus olhos

antecipadores. E deste-me

a certeza dos seios

quase imóveis sob

o incessante coração

intenso e vulnerável.

 

***

Um e outro deitados

na imóvel areia desta

noite acompanhamos

a vasta rotação

da terra.

 

****

É o gosto que os frutos deixaram

em teus lábios

a demorada recapitulação das tardes

em tua fronte

e a mão esquecida pelo sol

nos cabelos — afago

para a faminta solidão

dos ombros

e o secreto acordo entre o mar

e o corpo — enquanto

o outro lado dos teus olhos repousa

em grandes cidades-primaveras.

 

*****

Todos nós temos

os nossos terrores

nossas faces perdidas

algures nas cidades

do Verão da Primavera.

 

Não é fácil. Eu sei.

É uma dor em que estarás

mais só com a tua

morte, de mais ninguém senão

da importância de seres

única e frágil dentro

dos meus braços.

 

Para terminar, um poema que aproxima a dimensão filosófica de muita da poesia de Vítor Matos e Sá:

 

 

A cara

de morte-por-fora

que o dormir nos dá

 

sem outro dentro

a não ser a falta

de andar a tempo

pelo andar do mundo

 

ou a chamar-lhe nosso

só com transportá-lo

 

ou neste dar morada

ao que de nós se gasta

a desgastar o fundo

que só dele importa

e que por nós se afasta.

 

e finalmente, do ciclo Poemas para a Construção do Mundo, incluido no primeiro livro do poeta, Horizonte dos Dias (1952), o poema

 

 

VII – Epitáfio

 

Sobraremos em versos nos dias futuros;

hão-de abrir-nos, numa inesperada hora macia,

e uma voz que dirá outros nomes, dias, esperanças,

nos erguerá como um vento desfolha

um antigo silêncio de cortinas…

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CONVERSA DE CINEMA E A INVENÇÃO DE EROS NO FINAL

01 Sábado Nov 2014

Posted by viciodapoesia in Crónicas, Poetas e Poemas

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Vitor matos e Sá

Do mundo servido na televisão temos tido noticia, suponho. Falam sempre de qualquer coisa e a criativa prática de fazer seguir as noticias de debates com especialistas de lugares comuns deixa-me irremediavelmente um pouco melancólico.

Medito a sublimidade

enquanto um ar abstracto

absorve a informação

sobre insectos e verduras

vendidos na televisão.

Seguem-se então os champôs com sabor de lucia-lima

e chás de sabão azul

cuecas para a cintura

viagens ao universo

e corridas para o lixo

separado em varias cores conforme a sua função.

Ministros em digressão cacarejam comentários

com grande satisfação.

Ficam de fora os perfumes com o cheiro a pintassilgo

e as frutas enlatadas em caixas de telemóvel

com garantia de um ano sem fazer a digestão.

 

E ontem, depois de uma destas experiências resolvi ver um filme.

Felizmente o dvd trouxe de volta as ásperas belezas do cinema italiano que incendiavam a minha imaginação adolescente naquele barracão onde vi cinema três vezes por semana.

O efeito destas experiências consegue medir-se pela visão da alegoria de Fellini em Amarcord, quando o protagonista adolescente é literalmente afogado nas imensas, descomunais, mamas da vendedoura de cigarros, a ponto de ficar febril. Mas não foram essas que afinal fui visitar.

Lembrei-me que mesmo as suaves belezas de Holywood ganham uma rugosidade especial ao chegar a Itália. É talvez do clima, ou do ar que se respira, mais provavelmente.

Veja-se Julia Roberts num filme há anos exibido em Lisboa. Como chega anémica a Itália e parte para o Oriente outra, muito mais mulher. Já lhe tinha acontecido semelhante no fabuloso musical de Woody Allen, Toda a gente diz que te amo, de tal maneira que ao olharmos os Tintoretto da Scuola di San Rocco depois do filme, os vemos de outra maneira (gosto mais de pensar isto que aceitar simplesmente tal transformação como o resultado da limpeza e restauro a que foram submetidos os frescos entre a primeira e a segunda vez que os vi).

Mas a outras aconteceu semelhante. Por exemplo Ingrid Bergman quando foi transportada para Itália por Rossellini, sobretudo naquele inesquecível Viagem em Itália, ganha uma densidade madura de mulher, ausente, por exemplo, da maneira como Hitchcock a filmou em Notorious, Difamação em português.

É este mesmo Hitchcock que permite ver a transformação italiana em Shirley MacLaine, aquela beleza sempre um pouco espantada de si, Sweet Charity de todos os desamparados, e que aqui me traz.

(Nota erudita: Este Sweet Charity foi a versão americana de Bob Fosse de As noites de Cabíria, de Fellini).

Filmou-a Hitchcock em The Trouble with Harry, em português chamado O terceiro tiro, uma desconcertante comédia onde o macabro do enterra /desenterra nos faz rir a bom rir, e onde a beleza impávida, serena, e de desarmante ingenuidade camufalda da MacLaine não tem menor responsabilidade. Esta Shirley MacLaine filmada em Itália por Vittorio De Sicca é toda ela outra criatura.

Tinha há algum tempo para ver um filme de sketch de Vittorio De Sicca, Sete Vezes Mulher, por ela protagonizado e por uma vasta lista de actores célebres. Gosto dos filmes de Vittorio De Sicca. Falta-lhes sempre um quantum para serem geniais, variando o tamanho do quantum de filme para filme.

O filme, vi-o com o desenfado que me estava a apetecer, e nos altos e baixos inevitáveis da fórmula do sketch surgem algumas pérolas, como o intelectual strepe-tease de MacLaine, lendo poesia nua e filosofando em redor do quarto, muito à anos sessenta, perante um quase incontrolado Vitorio Gassman. De antologia. Ver surgir numa curta intervenção a maliciosa Anita Ekberg, de que só recordo o banho na Fontana Trevi em Dolce Vita, foi um inesperado prazer.

Acabado o filme interroguei-me que poema escolheria eu para fazer ler a uma qualquer Shirley naquele preparo, e escolhi uma INVENÇÃO DE EROS que aqui transcrevo.

INVENÇÃO DE EROS

Fui procurar-te para ser contigo

quando colhi das horas que invadias.

Colhi da própria dor um nome antigo

que fosse o nome exacto em que virias.


Da límpida substância dos teus risos

fui-te inventando dentro dos meus braços

e os sóis mais densos puros e precisos

vieram dar-me a sombra dos teus passos.


E já não eram meus senão de erguê-los,

a tua face e os lábios e os cabelos

e o teu olhar para ninguém voltado.


Mas quem, o pleno amor de que nascias

se o deus que a ti igual encontrarias

ficou, pelo teu olhar, desabitado?

 


Noticia bibliográfica: O soneto é de Vitor Matos e Sá (1926–1975) e foi publicado no seu segundo livro O Silêncio e o Tempo em 1956.

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