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Jackiewicz W - Obras XII 1995Nada mudou

podes vir

de novo e com

o mesmo nome.

 

Em qualquer lugar

a distância para a morte

é a mesma.

 

Desigual é apenas

a vida que perdemos…

 

Com este poema encerram os compiladores o livro póstumo de Vítor Matos e Sá (1926-1975), Companhia Violenta, Coimbra, (1980). Livro de variada escolha, nele abundam os poemas de amor:

 

Misturo os teus gestos com os dias

para não os perder inteiramente

 

A poesia de Vítor Matos e Sá entranha-se-me mais e mais a cada leitura. Transcrevo hoje, e ainda deste mesmo livro, mais alguns sábios e tocantes poemas que de amor falam:

— afago

para a faminta solidão

dos ombros —

 

*

O amor ensina-me

a dizer-te gesto a gesto

até que cantar-te

pareça feito apenas

de beijos — e crê

cantar-te assim

não vem da perícia

mas dos anos.

 

**

Trouxeste-me até

à cama intacta

do teu corpo e à verde

transparência dos teus olhos

antecipadores. E deste-me

a certeza dos seios

quase imóveis sob

o incessante coração

intenso e vulnerável.

 

***

Um e outro deitados

na imóvel areia desta

noite acompanhamos

a vasta rotação

da terra.

 

****

É o gosto que os frutos deixaram

em teus lábios

a demorada recapitulação das tardes

em tua fronte

e a mão esquecida pelo sol

nos cabelos — afago

para a faminta solidão

dos ombros

e o secreto acordo entre o mar

e o corpo — enquanto

o outro lado dos teus olhos repousa

em grandes cidades-primaveras.

 

*****

Todos nós temos

os nossos terrores

nossas faces perdidas

algures nas cidades

do Verão da Primavera.

 

Não é fácil. Eu sei.

É uma dor em que estarás

mais só com a tua

morte, de mais ninguém senão

da importância de seres

única e frágil dentro

dos meus braços.

 

Para terminar, um poema que aproxima a dimensão filosófica de muita da poesia de Vítor Matos e Sá:

 

 

A cara

de morte-por-fora

que o dormir nos dá

 

sem outro dentro

a não ser a falta

de andar a tempo

pelo andar do mundo

 

ou a chamar-lhe nosso

só com transportá-lo

 

ou neste dar morada

ao que de nós se gasta

a desgastar o fundo

que só dele importa

e que por nós se afasta.

 

e finalmente, do ciclo Poemas para a Construção do Mundo, incluido no primeiro livro do poeta, Horizonte dos Dias (1952), o poema

 

 

VII – Epitáfio

 

Sobraremos em versos nos dias futuros;

hão-de abrir-nos, numa inesperada hora macia,

e uma voz que dirá outros nomes, dias, esperanças,

nos erguerá como um vento desfolha

um antigo silêncio de cortinas…