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Gomes Leal — A Sesta do Sr. Glória

01 Quarta-feira Nov 2017

Posted by viciodapoesia in Poesia Antiga

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Gomes Leal, Toulouse-Lautrec

Gomes Leal (1848-1921) dá-nos em  A Sesta do Sr. Glória, com bonomia pontuada de acentos irónicos, marca de água da sua poesia não panfletária, um retrato de família burguesa de final do século XIX, saboreando o seu bem-estar e contentamento de viver.

Não é matéria frequente da poesia realista de final de oitocentos o tom, despido de considerações ideológicas ou de moralidade, tão só deixando ver, qual pintura de género, uma particular ”joie de vivre”.

O poema traz uma saborosa evocação de uma sociedade extinta, e, ao leitor de hoje, o conhecimento histórico da sociedade e costumes da época, permite, talvez, os juízos de valor que o poeta se inibe.

 

A Sesta do Senhor Glória

É no fim do jantar. — Deram três horas
No bom relógio antigo dos avós.
E o senhor Glória pega numa noz
Com um ar de quem trata com senhoras.

A casa de jantar toda pintada
E o estuque cheio d’aves, de paisagens,
De ninfas, prados, d’águas, de boscagens,
Tem uma forma antiga e recatada.

D’involta com seus goles de Madeira
Saboreia a senhora o seu café.
E ao lado, um filho rúbido, de pé,
Parece um pregador sobre a cadeira.

No colo da matrona dorme um gato
No melhor sono cómodo do mundo,
Enquanto, em baixo, um cão grave e profundo,
Contempla uns restos, que inda estão num prato.

O senhor Glória fala, chocarreiro,
Do seu cunhado Aleixo de Miranda.
Lá fora, um papagaio num poleiro,
Diz cousas aos burgueses, da varanda.

Com um ar meio cómico e boçal,
Um sisudo criado atrás, de pé,
De vez em quando fala menos mal:
— O senhor Glória aspira o seu café.

Muito tempo assim ficam nesse estado
De santa sonolência e beatitude,
Mais que assaz conhecido da virtude,
quando tem digerido e bem jantado

No entanto, o senhor Glória, olhos dormentes,
Contempla, na parede, os bons pastores,
Confidentes fiéis dos seus amores,
— Que outrora hão já sorrido aos seus parentes.

Duas pastoras falam com poesia,
Numa vereda de álamos umbrosos,
E isto acorda-lhe os tempos virtuosos…
Que era hora de jantar era ao meio dia!

Belos tempos — pensa ele — de virtude,
De glória, amor, coragem, fé ardente,
De longas procissões e de saúde,
De singeleza e paz — vida contente!

E o senhor Glória, aqui, num travesseiro,
Deita a cabeça, de pensar prostrado.
— O papagaio ri no seu poleiro.
— E a senhora sorri para o criado.

in  Claridades do Sul, segunda edição revista e aumentada, Empresa da História de Portugal, Lisboa, 1901.

Tal como no poema a certa altura se refere — No entanto, o senhor Glória, olhos dormentes, / Contempla, na parede, os bons pastores, / Confidentes fiéis dos seus amores,  — a vida por esta época para os senhores endinheirados não se limitava a esta placidez doméstica; e isso mostra a imagem a abrir o artigo. Trata-se do fragmento de um poster de Henri de Toulouse-Lautrec (1864-1901), Reine de Joie, de 1892.
Contemporâneo próximo deste Sr. Glória, neste poster observamos não um jantar de família, mas uma ceia, talvez tardia, numa noite de escapadela, deixando a senhora entregue às suas ocupações.

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Nevermore – soneto de Paul Verlaine

30 Segunda-feira Jul 2012

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poesia Antiga

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Paul Verlaine, Toulouse-Lautrec

É a um exercício de reflexão sobre os limites e resultados da tradução de poesia que convido o leitor que simultaneamente leia fluentemente francês.

São três as leituras em português que transcrevo de um famoso soneto de Paul Verlaine (1844-1896), Nevermore.

As opções dos tradutores dividem-se entre a fidelidade verbal ao texto e a captação da ideia numa reconstrução em português.
A polémica é antiga e permanece. Qual delas é a opção legítima? Por mim, apenas o talento poético do tradutor permite criar na nossa língua um poema que pareça ter-lhe sempre pertencido, o que, com rara felicidade, acontece nestas três traduções, embora a tradução de charmant por vibrante, no penúltimo verso, feita por Fernando Pinto do Amaral me pareça discutível.

Outras traduções são ainda possíveis para a infinita nostalgia que se desprende deste Ah! …

– Ah ! les premières fleurs, qu’elles sont parfumées !
Et qu’il bruit avec un murmure charmant
Le premier oui qui sort de lèvres bien-aimées !

Vamos então às traduções. O original encontra-se integralmente no final do artigo.

Nevermore

Doces recordações, que me quereis? O Outono
Fazia o tordo voar num lânguido ar de sono
E, monótono, o Sol lançava do seu trono
Ao bosque desmaiado uma luz de abandono.

Íamos sós os dois, sonhando, o pensamento
E o cabelo a esvoaçar na quimera do vento.
E eis que ela, olhos em mim, num enternecimento,
“Qual foi na vida”, disse,”o teu melhor momento?”

Trinava a doce voz, em vibrações amenas;
Um sorriso discreto eu lhe volvi apenas
E a sua mão beijei, devotamente.

— Ah! as primeiras flor’s, como são perfumadas!
E como se ouve soar, que murmúrio atraente
Tem o primeiro sim nas bocas bem-amadas!

Tradução de Pedro da Silveira

E agora a versão de Herculano de Carvalho

Nevermore

Reviver, reviver, que me queres tu? O Outono
Fazia o tordo abrir as asas pelo céu morno
E, monótono, o Sol lançava um raio em torno
Do bosque amarelando, à brisa, em abandono.

Os dois íamos sós e num sonho absorvente,
Eu e ela, o cabelo e o pensamento ao vento.
De súbito, voltando o olhar de encantamento:
“Qual teu dia melhor?” disse a voz de oiro quente.

A voz doce e sonora, em fresco timbre, angélica,
Um sorriso discreto à pergunta deu réplica,
E beijei sua mão branca devotamente.

— Aí! as primeiras flores e os botões perfumados!
E como soa num murmúrio comovente
O “sim” primeiro, ao vir de lábios bem-amados.

Termino com a versão de Fernando Pinto do Amaral

Nevermore

Ah, lembrança, lembrança, que me queres? O Outono
Fazia voar os tordos plo ar desmaiado
E o sol dardejava um monótono raio
No bosque amarelado onde a nortada ecoa.

A sonhar caminhávamos os dois, a sós,
Ela e eu, pensamento e cabelos ao vento.
De repente, fitou-me em olhar comovente:
“Qual foi o teu mais belo dia?” disse a voz

De oiro vivo, sonora, em fresco timbre angélico.
Um sorriso discreto deu-lhe a minha réplica
E então, como um devoto, beijei-lhe a mão branca.

— Ah! as primeiras flores, como são perfumadas!
E como em nós ressoa o murmúrio vibrante
Desse primeiro sim dos lábios bem-amados!

Nevermore

Souvenir, souvenir, que me veux-tu ? L’automne
Faisait voler la grive à travers l’air atone,
Et le soleil dardait un rayon monotone
Sur le bois jaunissant où la bise détone.

Nous étions seul à seule et marchions en rêvant,
Elle et moi, les cheveux et la pensée au vent.
Soudain, tournant vers moi son regard émouvant
” Quel fut ton plus beau jour? ” fit sa voix d’or vivant,

Sa voix douce et sonore, au frais timbre angélique.
Un sourire discret lui donna la réplique,
Et je baisai sa main blanche, dévotement.

– Ah ! les premières fleurs, qu’elles sont parfumées !
Et qu’il bruit avec un murmure charmant
Le premier oui qui sort de lèvres bien-aimées !

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