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Carta de Heloísa a Abailard segundo Pope

17 Terça-feira Jan 2017

Posted by viciodapoesia in Crónicas

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Alexander Pope, Ticiano

danae-museu-capodimonte-de-napoles-detalhe-550pxO amor enquanto paixão avassaladora, sobrepondo-se a quaisquer considerações sociais, religiosas, ou outras, encontra na recriação da paixão de Heloísa por Abailard imaginada por Alexander Pope (1688-1744) no século XVIII, a desmesura adequada, e é ainda hoje de empolgante leitura:

 

…
Eu te amei, e o prazer fiel seguindo
Fracas lembranças do meu Deus só tive.
Estimação, dever, honra, e prudência
Hei tudo por te amar sacrificado!
Eu te adorava, e em tão suave engano
Da terra o resto para mim perdido,
Meu Deus, meu universo em ti só via.
…

 

 

A extensão do poema inviabiliza a sua transcrição na totalidade, pelo que escolho alguns fragmentos onde Heloísa dá conta da natureza e dimensão do seu amor por Abailard.

 

O poema, assumindo-se como carta, é escrito a partir do convento onde Heloísa foi obrigada a recolher depois da descoberta pelos seus familiares, dos amores clandestinos que mantinha, ainda adolescente, com o seu professor, e também clérigo, Abailard.

 

A tradução, em verso branco, é de José Anastácio da Cunha (1744-1787), feita no final do século XVIII.

 

 

 

…
És tu, insano amor, que vens de novo
De um coração sensível tomar posse?
Ah! quanto me enganava!… Eu amo, eu ardo,
Eu ainda adoro… — Oh nome sempre caro!…
Abailard!… Oh querido!… quanto te amo!
Uma, e mil vezes leio a tua carta
Mil vezes minha boca amante beija
Da tua mão as conhecidas letras.
Caro Abailard, que horror!… Neste retiro
Como o teu nome articular me atrevo!…

 

…
Ah! que amor em teus braços me encantava
E amor longe de ti meu pranto excita!…

 

…
Ah! da nossa união, tão livre e pura,
A terra, e o mesmo céu têm feito um crime!
Quando o meu coração, e o teu ligados,
De amor e de amizade tu me davas
Em nome da virtude lições meigas;
Teus olhos sobre os meus nadando em gosto,
Com o fogo das paixões então brilhavam;
Minha alma foi com a tua confundida;
Um Deus em ti sem susto contemplava;
Um erro assim busquei, que me iludia.
Ah! e quão fácil te era o alucinar-me!
Tu falavas — minha alma obedecia;
Tu me pintaste amor, de encantos cheio,
E a doce persuasão de teus discursos
No já vencido peito insinuaste:
Ah! que da tua boca para a minha
Ela pelos teus lábios se passava!…
Eu te amei, e o prazer fiel seguindo
Fracas lembranças do meu Deus só tive,
Estimação, dever, honra, e prudência
Hei tudo por te amar sacrificado!
Eu te adorava, e em tão suave engano
Da terra o resto para mim perdido,
Meu Deus, meu universo em ti só via.

 

Quando a tua alma, enfim, à minha presa,
Cerrar me instava de himeneu os laços,
Eu te disse: — Querido, que pretendes?
Amor crime não é, mas sim virtude:
Para que é pois tiranas leis impôr-lhe
E de prisões políticas cingi-lo?
Amor não é escravo; — independente
No coração dos homens ele nasce,
Qual puro sentimento de alma pura:
Nosso prazer liguemos, sem que seja
Necessário também ligar as sortes.
Ah! — Pensa que himeneu prender só deve
Dos amantes sem fé vulgares almas.
Meus prazeres, meus bens no amor encontro.
O firme amor insídias não receia,
Basta amar, e seguir a natureza.
Aprendamos a amar-nos mutuamente,
E só no puro amor amor busquemos,

 

…
Os títulos, a gloria, a honra, a fama:
Todos os nomes que a fortuna inventa,
Rejeito altiva, e só me lisonjeia
De tua amante o nome: — e se ainda há outro
De mim mais digno, e que melhor explique
Meu terno amor, por ti vaidosa o tomo.
Oh! quanto é doce amar, e ser amado!…
Esta a primeira lei, o resto é nada.
Quem mais ditoso do que dois amantes,
Pela afeição, e pelo gosto unidos!
Eles pensam, e falam livremente;
A alegria confundem com seus gestos;
Gozando sempre, e sempre desejando,
Seus corações contentes não conhecem
Nojosos dias, e preside sempre
Uma doce ilusão à sua dita:
Por áureo copo a longos tragos bebem
Dos males, e dos não logrados gostos
Eterno esquecimento: — se há ditosos,
Seus corações decerto a dita gozam!
A bem aventurança, que buscamos,
Amor a dá, amor ao prazer guia,
E os mais perfeitos bens no amor existem:
Tal, querido Abailard, foi nossa sorte.
…

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Itália seguido de Soneto, poemas de Álvares de Azevedo

18 Quinta-feira Jul 2013

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poesia Antiga

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Álvares de Azevedo, Ticiano

Titian-Danae-1544-IITerá sido certamente uma bela italiana — Pátria do meu amor! terra das glórias — quem esteve por detrás da sensual evocação — Lá na terra da vida e dos amores — que no poema Itália o jovem e malogrado poeta brasileiro Álvares de Azevedo (1831-1852) nos deixou, e onde o eterno da atracção ressuma.

Na singela forma poética do romantismo, Álvares de Azevedo deu-nos o calor da terra e a ardência da palpitação dos vinte anos, — A Itália do prazer, do amor insano, — em quadras de suave beleza melódica.

ITÁLIA

I
Lá na terra da vida e dos amores
Eu podia viver inda um momento…
Adormecer ao sol da primavera
Sobre o colo das virgens de Sorrento!

Eu podia viver — e porventura
Nos luares do amor amar a vida,
Dilatar-se minh’alma como o seio
Do pálido Romeu na despedida!

Eu podia na sombra dos amores
Tremer num beijo o coração sedento…
Nos seios da donzela delirante
Eu podia viver inda um momento!

Ó anjo de meu Deus! se nos meus sonhos
Não mentia o reflexo da ventura,
E se Deus me fadou nesta existência
Um instante de enlevo e de ternura…

Lá entre os laranjais, entre os loureiros,
Lá onde a noite seu aroma espalha,
Nas longas praias onde o mar suspira
Minh’alma exalarei no céu de Itália!

Ver a Italia e morrer!… Entre meus sonhos
Eu vejo-a de volúpia adormecida…
Nas tardes vaporentas se perfuma
E dorme, à noite, na ilusão da vida!

E, se eu devo expirar nos meus amores,
Nuns olhos de mulher amor bebendo,
Seja aos pés da morena Italiana,
Ouvindo-a suspirar, inda morrendo.

Lá na terra da vida e dos amores
Eu podia viver inda um momento,
Adormecer ao sol da primavera
Sobre o colo das virgens de Sorrento!

II

A Itália! sempre a Itália delirante!
E os ardentes saraus e as noites belas!
A Itália do prazer, do amor insano,
Do sonho fervoroso das donzelas!

E a gôndola sombria resvalando,
Cheia de amor, de cânticos e flores…
E a vaga que suspira à meia-noite
Embalando o mistério dos amores!

Ama-te o sol, ó terra da harmonia,
Do levante na brisa te perfumas,
Nas praias de ventura e primavera
Vai o mar estender seu véu d’escumas!

Vai a lua sedenta e vagabunda
O teu berço banhar na luz saudosa,
As tuas noites estrelar de sonhos
E beijar-te na fronte vaporosa!

Pátria do meu amor! terra das glórias
Que o génio consagrou, que sonha o povo…
Agora que murcharam teus loureiros
Fora doce em teu seio amar de novo…

Amar tuas montanhas e as torrentes
E esse mar onde bóia alcion dormindo,
Onde as ilhas se azulam no ocidente,
Como nuvens, à tarde, se esvaindo…

Aonde, à noite, o pescador moreno
Pela baía no batel se escoa…
E murmurando, nas canções de Armida,
Treme aos fogos errantes da canoa…

Onde amou Rafael, onde sonhava
No seio ardente da mulher divina,
E talvez desmaiou no teu perfume
E suspirou com ele a Fornarina…

E juntos, ao lar, num beijo errante
Desfolhavam os sonhos da ventura
E bebiam na lua e no silêncio
Os eflúvios da tua formusura!

Ó anjo de meu Deus, se nos meus sonhos
A promessa do amor me não mentia,
Concede um pouco ao infeliz poeta
Uma hora da ilusão que o embebia!

Concede ao sonhador, que tão-somente
Entre delírios palpitou d’enleio,
Numa hora de paixão e de harmonia
Dessa Itália do amor morrer no seio!

Oh! a terra da vida e dos amores
Eu podia sonhar inda um momento,
Na seios da donzela delirante
Apertar o meu peito macilento!

Maio, 1851. – S. Paulo

A obra de Álvares de Azevedo (1831-1852) não faz parte do conhecimento generalizados dos que em Portugal gostam de poesia. Para abrir o apetite ao conhecimento da sua obra, onde o realismo poético de Cesário Verde por vezes se antecipa, termino com um soneto em que um delicado erotismo espreita — Era mais bela! o seio palpitando… / Negros olhos, as pálpebras abrindo… /Formas nuas no leito resvalando…

Soneto

Pálida, à luz da lâmpada sombria,
Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!

Era a virgem do mar! na escuma fria
Pela maré das águas embalada…
— Era um anjo entre nuvens d’alvorada
Que em sonhos se banhava e se esquecia!

Era mais bela! o seio palpitando…
Negros olhos, as pálpebras abrindo…
Formas nuas no leito resvalando…

Não terias de mim, meu anjo lindo!
Por ti — as noites eu velei chorando,
Por ti — nos sonhos morrerei sorrindo!

Acompanha o artigo uma das belas Danae pintadas por Ticiano (1488/90-1576), esta de 1544. A modelo faz jus ao delírio poético que acabámos de ler.

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