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Tag Archives: Pierre Soulages

O medo e um poema de Ostap Slyvynsky

17 Terça-feira Set 2019

Posted by viciodapoesia in Poesia Ucraniana

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Ostap Slyvynsky, Pierre Soulages

O medo, essa presença ocasional, ou nem tanto, que nos tolhe a acção, ou desenvolve a coragem ao vencê-lo, é o tema num poema de Ostap Slyvynsky (1978), ucraniano de quem pouca poesia conheço. 

Evocando um amuleto de infância, uma fisga ou funda, acessório precioso para vencer o medo infantil ao atravessar a floresta, é o adulto, que possuído de outros medos a recorda, no desejo de com ela os vencer de novo.

Quanto destes medos não conhecemos, adultos, e tão bom seria esconjurá-los com um amuleto de infância.

 

 

A fisga (*)

 

Algo escuro, um pouco maior

que a mão de uma criança. Parece

uma moldura para a vida mesquinha de alguém.

Olho-a por algum tempo

e então percebo que já sei o que é —

uma fisga!  Uma fisga de castanheiro, 

a única coisa que meu pai me fez, 

pois eu tinha medo de andar pela floresta à noite.

A minha primeira e única arma 

que por meses aqueci no meu bolso suado.

— Agora, disse,

Trá-la contigo enquanto estiveres com medo.

E mesmo quando já não tiveres, não a jogues fora,

guarda-a num lugar seguro.

Diz-me, funda, apareceste por

me reconhecer?  Sentiste que tivemos 

um passado comum?  Cheiraste-me como um cão abandonado

que se arrasta atrás de alguém, treinado para proteger?

Sim funda, tenho medo outra vez.

 

Tradução de Carlos Mendonça Lopes a partir da versão inglesa do poema por Anatoly Kudryavitsky.

 

 

The sling (versão do poema em inglês)

 

Something dark, slightly bigger 

that a child’s hand. Resembles 

a frame for somebody’s petty life. 

I examine it for quite some time, 

but then realize that I already know what it is — 

a sling! A chestnut sling, the only thing my father 

made for me, as I was afraid 

to walk through the forest at night.

My first and only weapon 

that I was warming four months in my sweaty pocket.

“Here” my father said 

“Carry it while you’re still afraid.

And even when you are not, don’t throw it away, 

hide it somewhere safe.” 

Tell me, sling, did you turn up because you 

recognized me? Felt that we had had a common 

past? Sniffed me out like an abandoned dog 

that drags behind you, trained to protect? 

Yes sling, I’m scared again.

 

in The Frontier, 28 contemporary ukrainian poets, edited and translated from the Ukrainian by Anatoly Kudryavitsky, Glagoslav Publications, London. 2017.

(*) Fisga — Arma primitiva, construída com forquilha de madeira ou de metal, munida de tiras elásticas, com que se atiram pequenas pedras, ou outros pequenos projéteis. É conhecido também por diversos outros nomes no Brasil, entre eles baladeira, baleeira, beca, badogue ou badoque, bodoque, funda, peteca, seta, setra; (dos dicionários).

 

 

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Pierre Soulages (1919), Pintura, de 1951.

 

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Um poema de Vladimir Holan

23 Quarta-feira Ago 2017

Posted by viciodapoesia in Poetas e Poemas

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Pierre Soulages, Vladimir Holan

Quando a “dor não é de tamanho natural, / é sempre maior que o homem / e no entanto, deve alojar-se no seu coração“, estamos perante tempos muito duros.
Frequentemente, o optimismo que impregna a natureza humana, mesmo com a mais negra realidade, faz emergir a esperança. Não é assim no poema de Vladimir Holan (1905-1980), Mas, que à frente mostro, escrito nos anos negros do pós-WWII na Checoslováquia. Tempo absolutamente sem esperança o que o poeta viveu, afinal, como tudo, também teve o seu fim, embora o poeta não tenha chegado a conhecer a liberdade pós-1989. Liberdade que possuímos hoje na Europa Ocidental, ainda que seja frequentemente ameaçada pelo terror. Mas feito o luto, a vontade de a viver tem sido sempre mais forte. É preciso que assim continue, e que a alegria de viver não seja nunca “uma ténue memória que ecoa em nós.“.

 

 

 

Mas

O deus do canto e do riso há muito
fechou as portas da eternidade atrás de si.
Desde então apenas de vez enquando
uma ténue memória ecoa em nós.
E desde então só a dor
não é de tamanho natural,
é sempre maior que o homem
e no entanto, deve alojar-se no seu coração.

 

Versão de Carlos Mendonça Lopes a partir da tradução inglesa.

 

 

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Pierre Soulages (1919), The red list, de 1970.

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Viver sempre também cansa. diz-nos José Gomes Ferreira

17 Quinta-feira Jan 2013

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Crónicas, Poetas e Poemas

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José Gomes Ferreira, Pierre Soulages

Soulages_Pierre-Peinture-2005-IIToca a todos, uma vez por outra, a saturação de viver um certo quotidiano:

Tudo é igual, mecânico e exacto.

e invade-nos um desejo de parar tudo, por-lhe um fim:

Pois não era mais humano / morrer por um bocadinho, / de vez em quando, / e recomeçar depois, / achando tudo mais novo?

sem que isso tenha em si qualquer vontade de suicídio, que não temporário:

Ah! se eu pudesse suicidar-me por seis meses

Enfim, a insatisfação humana a governar-nos a vida.

É do que nos fala o poema de José Gomes Ferreira (1900-1985)

Viver sempre também cansa.

O sol é sempre o mesmo e o céu azul
ora é azul, nitidamente azul,
ora é cinzento, negro, quase-verde…
Mas nunca tem a cor inesperada.

O mundo não se modifica.
As árvores dão flores,
folhas, frutos e pássaros
como máquinas verdes.

As paisagens também não se transformam.
Não cai neve vermelha,
não há flores que voem,
a lua não tem olhos
e ninguém vai pintar olhos à lua.

Tudo é igual, mecânico e exacto.

Ainda por cima os homens são os homens.
Soluçam, bebem, riem e digerem
sem imaginação.

E há bairros miseráveis sempre os mesmos,
discursos de Mussolini,
guerras, orgulhos em transe,
automóveis de corrida…

E obrigam-me a viver até à Morte!

Pois não era mais humano
morrer por um bocadinho,
de vez em quando,
e recomeçar depois,
achando tudo mais novo?

Ah! se eu pudesse suicidar-me por seis meses,
morrer em cima de um divã
com a cabeça sobre uma almofada,
confiante e sereno por saber
que tu velavas, meu amor do Norte.

Quando viessem perguntar por mim,
havias de dizer com teu sorriso
onde arde um coração em melodia:
“Matou-se esta manhã.
Agora não o vou ressuscitar
por uma bagatela.”

E virias depois, suavemente,
velar por mim, subtil e cuidadosa,
pé ante pé, não fosses acordar
a Morte ainda menina no meu colo…

O poema foi publicado pela primeira vez em 1931 na revista Presença, e é o poema com que o poeta abre a edição da sua poesia completa: Poeta Militante.

 

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