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Tag Archives: Leonardo da Vinci

Curta visita à poesia de Jorge Sousa Braga

03 Segunda-feira Mar 2014

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poetas e Poemas

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Bosh, Gauguin, Goya, Jorge Sousa Braga, Leonardo da Vinci, Picasso

The Cure of Folly (Extraction of the Stone of Madness) 200px

Todos aqueles que nos primeiros dias de Março perscrutavam atentamente o céu ficaram desapontados. Este ano as andorinhas chegarão atrasadas, devido a uma greve dos controladores de voo.

 

Os livros vêm habitualmente ao meu encontro, e aconteceu uma destas tardes de novo. Tencionava sair mas com a invernia lá fora era tudo o que não me apetecia. Peguei ao acaso num livro da estante: era a poesia reunida de Jorge Sousa Braga (1957). Comecei a ler e por um par de horas gozei o que não esperava com a pensada saída para a rua.

 

São familiares aos leitores do blog traduções poéticas de Jorge Sousa Braga, frequentemente grandes poemas em português, mas da sua poesia original nunca aqui falei.

 

Há sobretudo três  motivos que me fazem gostar de muitos dos poemas que escreveu: a concisão do verso, a cultura que subjaz aos poemas, e o não fugir no assunto à crueza da vida. O modo corrosivo de ecos surrealizantes como nos conta a vida em alguns dos poemas acrescenta um sabor irresistível a esta poesia. Em vários poemas da reduzida escolha de hoje o absurdo reina em grande esplendor. Os poemas dispensam comentários de intermediação e aí ficam.

Leonardo da Vinci - Mona Lisa100px

Resolvido o enigma do sorriso da Gioconda: um dos meninos do Botticelli surpreendeu-a, de noite, com um dedo acariciando o baixo ventre.

Um levantino apaixonou-se pelo crepúsculo e estabeleceu aí residência permanente. Vive agora num avião que se desloca em sentido inverso ao da rotação da terra.

As autoridades marítimas investigam o misterioso desaparecimento da linha do horizonte ao longo de toda a costa atlântica.

Alguns enxames de abelhas invadiram o Museu do Louvre e exploraram cuidadosamente todas as naturezas-mortas com flores, não tendo deixado um único grão de pólen.

 

Les Demoiselles d'Avignon - 1907-19 150px

As demoiselles de Avignon foram surpreendidas numa rusga da polícia, nas imediações do museu.

 

Um homem disfarçado de arco-íris assaltou em pleno dia uma agência bancária mesmo no centro da cidade; alvejado a tiro na perseguição que depois lhe foi movida pela polícia, desfez-se numa bátega de chuva.

 

Um homem que se propusera pintar o Monte Branco de azul e que para o efeito comprara várias latas de tinta e um pincel desapareceu no meio de um violento nevão.

 

Passara quarenta anos de binóculos assestados, a seguir as migrações das aves e a tomar estranhos apontamentos num caderno. A última vez que foi visto voava a meia altura em direcção ao sul.

 

Deixara de acreditar nas ciências tradicionais, desde que se sentara em frente de uma montanha e gritava morango e a montanha lhe devolverá cinquenta alperces, e ele gritara vermelho e a montanha lhe devolvera rosa rosa rosa, um rosa cada vez mais ténue.

 

Goya - Os fusilamentos 175px

Cansados de estarem sempre na mesma posição, os fuzilados de Goya resolveram inverter os papéis e são agora eles que seguram os fusos.

Gauguin_Paul-The_Spirit_of_the_Dead_Keep_Watch 200px

Uma das vahinêes do Gauguin estava perdendo a cor de pêra-abacate. O conservador do museu decidiu proporcionar-lhe umas curtas férias de restabelecimento no Taiti.

in A greve dos controladores de voo

 

Escrito na margem de um rio

Nunca ouvi dizer

que alguém tivesse morrido

afogado em esperma

 

Streape-tease

 

Quanto mais me dispo

menos nu

me sinto

in Plano para salvar Veneza

 

De novo o silêncio

O silêncio é como se fosse água. Daquela água pura da montanha que se bebe directamente pelo coração.

 

O guarda-rios

É tão difícil guardar um rio

quando ele corre

dentro de nós

 

Cataratas

Nenhum rio consegue voar durante muito tempo. Uns segundos no máximo e ei-los que se despenham de muitos metros de altura. Ainda mal refeitos da queda, começam logo a correr a uma velocidade vertiginosa. E de novo se despenham. E só desistem quando se lhes depara o mar pela frente.

 

A última pincelada

Viveu em tempos um pintor que nunca conseguia acabar de pintar uma ave, fosse ela uma cegonha ou uma garça. Quando se preparava para dar a ultima pincelada, ela levantava voo.

 

E o pintor ficava muito tempo ainda a persegui-la com o pincel no céu azul…

 

Foz

Com água no bico

aves marinhas combatem

o incêndio do crepúsculo

 

Sete da manhã

o sol acorda

com olheiras enormes

 

Celas

Lua cheia:

com esta moeda de oiro

posso comprar um sorriso

in Os pés luminosos

 

Canção

Este esperma é puro

como a água de um iceberg

 

Colhido por masturbacao

centrifugado capacitado…

 

Bebe deste esperma simples

ou com gelo e limão

 

Só assim conseguirás

a redenção.

 

Tatuagem

Tinha uma rosa negra tatuada

num dos grandes lábios. E o

 

Púbis religiosamente depilado

como se de ervas daninhas se tratasse

in A ferida aberta

 

A erva da fortuna

A erva da fortuna cresce como por encanto nas orelhas dos políticos, o primeiro-ministro proclama a amnistia para os cucos dos relógios, o degelo nas relações internacionais restabelece o nível das águas nas albufeiras, o ministro da energia esfrega as mãos de contente. Embora o boletim meteorológico seja controlado pelo governo, nuvens cor de chumbo toldam frequentemente o horizonte, os pescadores de águas turvas procuram o alto mar, uma chuva de impostos cai de imprevisto, ah a chuva na primavera, escrevem os poetas.

 

As andorinhas podem passar livremente a fronteira. Os policias oferecem grinaldas aos condutores de veículos mal estacionados. O cio invade a assembleia. Os deputados bombardeiam-se com pólen. Um nostálgico do outono argumenta: a primavera de Praga também foi de lagartas nas estradas.

in De manhã vamos todos acordar com uma pérola no cu

 

Os poemas foram originalmente publicados nos livros mencionados e transcritos de O Poeta Nu [poesia reunida], Assírio & Alvim, Lisboa, 2007.

 

As imagens respeitam às pinturas assunto dos poemas excepto para Gauguin em que nenhuma das pinturas do Taiti é explicitamente referida e é escolha minha.

O poeta é profissionalmente médico obstetra e não neuro-cirurgião. A escolha de A extração da pedra da loucura, pintura de Hieronymous Bosch (1450-1516) para abrir o artigo decorre apenas das pistas que a sua poesia me enviou para ler o mundo.

 

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O sorriso da Mona Lisa num poema de Kurt Tucholsky

30 Sexta-feira Nov 2012

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poetas e Poemas

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Kurt Tucholsk, Leonardo da Vinci

Leonardo da Vinci - Mona LisaHá diálogos poéticos com a pintura que muitas vezes iluminam a obra iluminando-nos a nós, leitores dela, qual seja este poema de Kurt Tucholsky (1890-1935), contemporâneo de Fernando Pessoa, em que o sorriso de Mona Lisa, pintura de Leonardo da Vinci (1452-1519), se ilumina.

O sorriso da Mona Lisa

Não posso desviar de ti o olhar.
Pois, por sobre o homem que te guarda,
Estás suspensa, as mãos cruzadas devagar,
E sorris, calada.

És célebre como a tal Torre de Pisa,
O teu sorriso passa por ironia.
Sim… porque é que ri a Mona Lisa?
Ri-se de nós, por nós, apesar de nós, contra nós –
Ou que mais o teu riso diria?

Calma nos ensinas o que tem de acontecer.
Porque o teu retrato, Lisa, claro no-lo diz:
Quem deste mundo tanto pôde ver –
Cruza as mãos, cala e sorri, como tu sorris.

Tradução de Paulo Quintela

Para os leitores que dominem o alemão aqui fica o original do poema.

Das Lächeln der Mona Lisa

Ich kann den Blick nicht von dir wenden.
Denn über deinem Mann vom Dienst
hängst du mit sanft verschränkten Händen
und grienst.

Du bist berühmt wie jener Turm von Pisa,
dein Lächeln gilt für Ironie.
Ja … warum lacht die Mona Lisa?
Lacht sie über uns, wegen uns, trotz uns, mit uns, gegen uns –
oder wie –?

Du lehrst uns still, was zu geschehn hat.
Weil uns dein Bildnis, Lieschen, zeigt:
Wer viel von dieser Welt gesehn hat –
der lächelt, legt die Hände auf den Bauch und schweigt.

Como habitualmente, os leitores com curiosidade de saber mais sobre o poeta, encontram na Wikipédia informação fidedigna a que não sei acrescentar mais nada.

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