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Tag Archives: Fernand Leger

Longo é o curso da esperança, breve o da memória — um canto de Leopardi

12 Quarta-feira Set 2018

Posted by viciodapoesia in Poesia Antiga

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Fernand Leger, Giacomo Leopardi, William James

Cada vez mais estudos mostram que ao longo da vida adulta a sensação de felicidade, e de ser feliz, se desenvolve segundo uma curva em V. Decresce desde o início da idade adulta para atingir um mínimo por volta dos quarenta e tal anos, e recomeça a subir até ao fim da vida. Trata-se, evidentemente de medidas estatísticas. A cada indivíduo a vida oferece o seu caminho particular de felicidade, que não será necessariamente este. Provavelmente, e os estudos também o apontam, este andamento do sentimento de ser feliz  à medida que os sinais de envelhecimento se começam a fazer sentir, está ligado ao processo de substituição da ambição pela aceitação da vida como ela se apresenta. Cito de memória uma frase do filósofo William James (1842-1910) que o reflete:
“How pleasant is the day when we give up striving to be young”
(Quão agradável é o dia quando desistimos de nos esforçar para ser jovens).
Evidentemente, a troca da ambição pela aceitação não se prende unicamente com o desejo, ou ilusão, de ser jovem para lá da idade. Ele ocorre inevitavelmente quando o horizonte da esperança de vida começa a aproximar-se de nós e deixa de ser algo longínquo, se não mesmo intangível se se é jovem.
Dificilmente será possível exprimir a essência da juventude por contraponto ao envelhecimento por outra que não a formulação de Giacomo Leopardi (1798-1837) nos versos do poema À Lua:
… / No tempo da juventude, quando ainda longo / É o curso da esperança, breve o da memória, / …
ou no original:
… / Nel tempo giovanil, quando ancor lungo / La speme e breve ha la memoria il corso, / … Nestes versos ganha evidência um aspecto essencial da juventude: o pouco tempo vivido, fazendo curta a memória, embora marca indelével para a vida; e a esperança sobre o que o futuro, que se espera longo, propiciará.

O poema, com rara emoção, dá conta do conforto de recordar, quando a infelicidade nos acomete. E isto é independente da idade. Apenas conta a intensidade do que se viveu.
A memória, ajudando-nos, traz mais e mais felizes recordações à medida que a idade avança, e a vida se acumula. E se os desgostos provavelmente crescem, a vida vivida também permitiu que a felicidade, por mais efémera, nos batesse à porta e a possamos relembrar.

 

À Lua

Lembro-me, ó graciosa lua,
Que há um ano, sobre esta colina,
Cheio de angústia, eu vinha contemplar-te:
E tu pendias então sobre a floresta
Como fazes agora, iluminando-a por completo.
Mas velado e trémulo do pranto
Que me assomava aos olhos, o teu rosto
Me parecia, que laboriosa
Era a minha vida: e ainda o é, nem muda de feição,
Ó minha amada lua. E todavia faz-me bem
Esta lembrança e o contar a idade
Da minha dor. Oh!, como é doce,
No tempo de juventude, quando ainda longo
É o curso da esperança, breve o da memória,
A lembrança das passadas coisas,
Embora triste e embora as fadigas durem!

Tradução de Albano Martins
in Giacomo Leopardi, Cantos, Apresentação, seleção, tradução e notas de Albano Martins,  Vega, Gabinete de Edições, Lisboa, s/d.

 

 

Alla Luna

O graziosa luna, io mi rammento            
Che, or volge l’anno, sovra questo colle
Io venia pien d’angoscia a rimirarti:
E tu pendevi allor su quella selva
Siccome or fai, che tutta la rischiari.            
Ma nebuloso e tremulo dal pianto
Che mi sorgea sul ciglio, alle mie luci
Il tuo volto apparia, che travagliosa
Era mia vita: ed è, né cangia stile,
O mia diletta luna. E pur mi giova            
La ricordanza, e il noverar l’etate
Del mio dolore. Oh come grato occorre
Nel tempo giovanil, quando ancor lungo
La speme e breve ha la memoria il corso,
Il rimembrar delle passate cose,            
Ancor che triste, e che l’affanno duri!
(1819)

Transcrito de Leopardi, Canti, con uno scritto di Giuseppe Ungaretti, Arnaldo Mondadori Editore S.p.A., Milão, 1987.

 

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Fernand Léger (1881-1955), Paisagem animada, de 1924.

 

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Olavo Bilac – A Alvorada do Amor ou Adão e Eva

04 Quarta-feira Jun 2014

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poetas e Poemas

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Fernand Leger, Olavo Bilac

Adão e Eva 1935-39

Tenho dado conta no blog de parte da abundante iconografia sobre Adão e Eva. São em menor número as reflexões poéticas sobre o mito bíblico do pecado original. Hoje é o poeta brasileiro Olavo Bilac (1865-1918) quem, num precioso poema, A Alvorada do Amor, reflete sobre o amor e a expulsão do paraíso numa nada ortodoxa visão:

 

Vamos! que importa Deus? Desata, como um véu,

Sobre a tua nudez a cabeleira! Vamos!

…

Amo-te! sou feliz! porque, do Éden perdido,

Levo tudo, levando o teu corpo querido!

…

Pode, em redor de ti, tudo se aniquilar:

– Tudo renascerá cantando ao teu olhar,

…

E se, em torno ao teu corpo encantador e nu,

Tudo morrer, que importa? A Natureza és tu,

Agora que és mulher, agora que pecaste!

…

Porque, livre de Deus, redimido e sublime,

Homem fico, na terra, à luz dos olhos teus,

– Terra, melhor que o céu! homem, maior que Deus!”

 

E assim passaram os anos.

Da decisão de Adão “Homem fico, na terra, à luz dos olhos teus” nasceu a prole que encheu o mundo e hoje goza Os Prazeres do Ócio nesta feliz evocação de Fernand Léger (1881-1955).

Os prazeres do ócio 1948-9

Lidos os excertos, vamos ao poema integral.

 

A Alvorada do Amor

 

Um horror grande e mudo, um silêncio profundo

No dia do Pecado amortalhava o mundo.

E Adão, vendo fechar-se a porta do Éden, vendo

Que Eva olhava o deserto e hesitava tremendo,

Disse:

 

          “Chega-te a mim! entra no meu amor,

E à minha carne entrega a tua carne em flor!

Preme contra o meu peito o teu seio agitado,

E aprende a amar o Amor, renovando o pecado!

Abençôo o teu crime, acolho o teu desgosto,

Bebo-te, de uma em uma, as lágrimas do rosto!

 

Vê! tudo nos repele! a toda a criação

Sacode o mesmo horror e a mesma indignação…

A cólera de Deus torce as árvores, cresta

Como um tufão de fogo o seio da floresta,

Abre a terra em vulcões, encrespa a água dos rios;

As estrelas estão cheias de calefrios;

Ruge soturno o mar; turva-se hediondo o céu…

 

Vamos! que importa Deus? Desata, como um véu,

Sobre a tua nudez a cabeleira! Vamos!

Arda em chamas o chão; rasguem-te a pele os ramos;

Morda-te o corpo o sol; injuriem-te os ninhos;

Surjam feras a uivar de todos os caminhos;

E, vendo-te a sangrar das urzes através,

Se emaranhem no chão as serpes aos teus pés…

Que importa? o Amor, botão apenas entreaberto,

Ilumina o degredo e perfuma o deserto!

Amo-te! sou feliz! porque, do Éden perdido,

Levo tudo, levando o teu corpo querido!

 

Pode, em redor de ti, tudo se aniquilar:

– Tudo renascerá cantando ao teu olhar,

Tudo, mares e céus, árvores e montanhas,

Porque a Vida perpétua arde em tuas entranhas!

Rosas te brotarão da boca, se cantares!

Rios te correrão dos olhos, se chorares!

E se, em torno ao teu corpo encantador e nu,

Tudo morrer, que importa? A Natureza és tu,

Agora que és mulher, agora que pecaste!

 

Ah! bendito o momento em que me revelaste

O amor com o teu pecado, e a vida com o teu crime!

Porque, livre de Deus, redimido e sublime,

Homem fico, na terra, à luz dos olhos teus,

– Terra, melhor que o céu! homem, maior que Deus!”

 

Poema publicado pela primeira vez em 1902.

In Poesias, Editora Martins Fontes, São Paulo, 1997.

Transcrito de Os Cem Melhores Poemas Brasileiros do Século, seleção de Italo Moriconi, Editora Objectiva, Rio de Janeiro 2001.

 

Abre o artigo com a imagem de uma pintura de Fernand Léger (1881-1955), Adão e Eva (1935-39) chamada. Seguem-se Os Prazeres do ócio (1948-9) dos filhos de Adão, primeiro em fundo azul, e agora em findo vermelho.

Os prazeres do écio sobre fundo vermelho 1949

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Sonhar, com Alberto Lacerda, a abrir 2013

03 Quinta-feira Jan 2013

Posted by viciodapoesia in Poetas e Poemas

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Alberto Lacerda, Fernand Leger

Adão e Eva

Completaram-se três anos de blog. Foram três anos de continuada alegria: escrever para o blog, pensar sobre de que falar aqui, rever o que pela vida me encantou e aqui dar noticia, percorrer caminhos de descoberta levado pela vontade de saber mais e dessas novidades deixar o eco, tudo isso foi um imenso prazer, acarinhado pelos leitores que se multiplicaram ao passar dos meses. Chegado 2013 e a aventura vai continuar. Espero tê-los, a vós leitores, por companhia.

Recebamos 2013 com o optimismo que cada novo ano merece, e façamos dele, e da nossa vida, um tempo de inesquecível felicidade.

Feliz Ano Novo, e deixo-vos com Sonhar de Alberto Lacerda (1928-2007).

Sonhar

Quero mais do que nunca
Sonhar
Habitar um espaço que existe
Entre presença e ausência
Ausência
Serenamente exaltante
Presença
Nao minha
Quase nada

Quero regressar ao sonho
Espaço
Que se me abre apenas
Quando sei abrir-me
Abandonar-me

À circular
Linha extasiada do horizonte

Boston
23 de Outubro 90

Poema publicado no livro Átrio, edição INCM, Lisboa 1997

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