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Cada vez mais estudos mostram que ao longo da vida adulta a sensação de felicidade, e de ser feliz, se desenvolve segundo uma curva em V. Decresce desde o início da idade adulta para atingir um mínimo por volta dos quarenta e tal anos, e recomeça a subir até ao fim da vida. Trata-se, evidentemente de medidas estatísticas. A cada indivíduo a vida oferece o seu caminho particular de felicidade, que não será necessariamente este. Provavelmente, e os estudos também o apontam, este andamento do sentimento de ser feliz à medida que os sinais de envelhecimento se começam a fazer sentir, está ligado ao processo de substituição da ambição pela aceitação da vida como ela se apresenta. Cito de memória uma frase do filósofo William James (1842-1910) que o reflete:
“How pleasant is the day when we give up striving to be young”
(Quão agradável é o dia quando desistimos de nos esforçar para ser jovens).
Evidentemente, a troca da ambição pela aceitação não se prende unicamente com o desejo, ou ilusão, de ser jovem para lá da idade. Ele ocorre inevitavelmente quando o horizonte da esperança de vida começa a aproximar-se de nós e deixa de ser algo longínquo, se não mesmo intangível se se é jovem.
Dificilmente será possível exprimir a essência da juventude por contraponto ao envelhecimento por outra que não a formulação de Giacomo Leopardi (1798-1837) nos versos do poema À Lua:
… / No tempo da juventude, quando ainda longo / É o curso da esperança, breve o da memória, / …
ou no original:
… / Nel tempo giovanil, quando ancor lungo / La speme e breve ha la memoria il corso, / … Nestes versos ganha evidência um aspecto essencial da juventude: o pouco tempo vivido, fazendo curta a memória, embora marca indelével para a vida; e a esperança sobre o que o futuro, que se espera longo, propiciará.
O poema, com rara emoção, dá conta do conforto de recordar, quando a infelicidade nos acomete. E isto é independente da idade. Apenas conta a intensidade do que se viveu.
A memória, ajudando-nos, traz mais e mais felizes recordações à medida que a idade avança, e a vida se acumula. E se os desgostos provavelmente crescem, a vida vivida também permitiu que a felicidade, por mais efémera, nos batesse à porta e a possamos relembrar.
À Lua
Lembro-me, ó graciosa lua,
Que há um ano, sobre esta colina,
Cheio de angústia, eu vinha contemplar-te:
E tu pendias então sobre a floresta
Como fazes agora, iluminando-a por completo.
Mas velado e trémulo do pranto
Que me assomava aos olhos, o teu rosto
Me parecia, que laboriosa
Era a minha vida: e ainda o é, nem muda de feição,
Ó minha amada lua. E todavia faz-me bem
Esta lembrança e o contar a idade
Da minha dor. Oh!, como é doce,
No tempo de juventude, quando ainda longo
É o curso da esperança, breve o da memória,
A lembrança das passadas coisas,
Embora triste e embora as fadigas durem!
Tradução de Albano Martins
in Giacomo Leopardi, Cantos, Apresentação, seleção, tradução e notas de Albano Martins, Vega, Gabinete de Edições, Lisboa, s/d.
Alla Luna
O graziosa luna, io mi rammento
Che, or volge l’anno, sovra questo colle
Io venia pien d’angoscia a rimirarti:
E tu pendevi allor su quella selva
Siccome or fai, che tutta la rischiari.
Ma nebuloso e tremulo dal pianto
Che mi sorgea sul ciglio, alle mie luci
Il tuo volto apparia, che travagliosa
Era mia vita: ed è, né cangia stile,
O mia diletta luna. E pur mi giova
La ricordanza, e il noverar l’etate
Del mio dolore. Oh come grato occorre
Nel tempo giovanil, quando ancor lungo
La speme e breve ha la memoria il corso,
Il rimembrar delle passate cose,
Ancor che triste, e che l’affanno duri!
(1819)
Transcrito de Leopardi, Canti, con uno scritto di Giuseppe Ungaretti, Arnaldo Mondadori Editore S.p.A., Milão, 1987.
Abre o artigo a imagem de uma pintura de Fernand Léger (1881-1955), Paisagem animada, de 1924.