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Tag Archives: Bertolt Brecht

Prazeres — de Brecht a Lucrécio

17 Sábado Out 2015

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poesia Antiga, Poetas e Poemas

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Bertolt Brecht, Lucrécio, Picasso

Guernica 600px

PRAZERES

O primeiro olhar da janela de manhã

O velho livro de novo encontrado

Rostos animados

Neve, o mudar das estações

O jornal

O cão

A dialética

Tomar duche, nadar

Velha música

Sapatos cómodos

Compreender

Música nova

Escrever, plantar

Viajar, cantar

Ser amável.

 

Nem todos partilharemos da hierarquia, nem da enunciação dos prazeres descritos neste poema de Bertolt Brecht (1898-1956), datado de 1954.

Poema da meia-idade, e para o poeta, perto do fim da vida; vida que viu as duas guerras mundiais, conheceu o sucesso entre guerras na Alemanha, experimentou exílio com a chegada do nazismo, primeiro europeu e depois nos EUA, e terminou os dias num regresso à então Alemanha comunista. Dir-se-á: de tanta experiência, que mínimos prazeres para lembrar…

Na verdade, a vida vivida, para além da intensidade das experiências profissionais e afectivas, conduz-nos a certa altura à evidência do que todos os dias é realmente importante.

A pressão do consumo, a posse material de coisas, o quadro social quotidiano com os seus valores onde a presença do dinheiro pesa, tudo faz perder de vista o que na verdade é simples: vivemos bem com muito, mas precisamos de muito pouco para viver bem.

Termino com alguns versos do epicurista Lucrécio (sec. I a. C.), extraídos desse poema maior, Da Natureza das Coisas [De rerum natura], a que outro dia voltarei.

 

Ó infelizes mentes dos homens, ó corações cegos!

Em que tenebrosa existência e em quantos perigos se passa

esta breve vida! Então não vêem que a natureza

nada reclama para si, com impetuosos gritos,

senão que a dor fique afastada do corpo e que se usufrua

de uma mente livre de cuidados e do medo, com um sentimento de prazer?

Portanto, vemos que poucas coisas são absolutamente necessárias

à natureza do corpo: todas as que eliminam a dor

e também as que possam proporcionar muitos deleites.

 

Livro II, vv 14-22

Notícia bibliográfica

Bertolt Brecht, Poemas, versão portuguesa de Paulo Quintela, Asa Editores, Porto, 2007.

Lucrécio, Da Natureza das Coisas, tradução de Luís Manuel Gaspar Cerqueira, Relogio D’Água, Lisboa, 2015.

Nota

A imagem de abertura reproduz a pintura Guernica (1937), de Picasso (1871-1973).

Tendo como pretexto directo bombardeamentos alemães à aldeia Basca de Guernica durante a Guerra Civil Espanhola, a pintura é para o século XX o ícone contra a barbárie o e terror da guerra.

É preciso lembrá-lo sempre.

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Elogio (ou Louvor) da Dialéctica por Bertolt Brecht

11 Domingo Nov 2012

Posted by viciodapoesia in Poetas e Poemas

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Bertolt Brecht

Fará por estes dias quarenta anos. Sei-o, pois era o tempo em que punha nos livros a data da compra, mas era sobretudo, e é o que importa, o tempo das descobertas de formação.
Tinha, havia pouco, encontrado a poesia de Herberto Helder e a sua estranheza para um rapaz nos dezoito anos familiarizado com a poesia das selectas do liceu, lida como cânone poético. E foi aí que a poesia de Bertolt Brecht (1898-1956) irrompeu, na novidade dos seus assuntos e na violência da sua mensagem política.
Lê-la hoje, em Portugal, na conjuntura de guerra social surda que atravessamos, devolve-lhe uma acutilância que os tempos de prosperidade do passado recente tinham empurrado para o esquecimento.

A verdade de Elogio (ou Louvor) da Dialéctica, que a seguir transcrevo, não se gasta com a história, embora o esquecimento dela muitas vezes se instale. É um poema de esperança contra a adversidade:

O que é seguro não é seguro.
As coisas não continuarão a ser como são.

ou noutra versão

O certo não é certo.
Assim como está, não fica

e de incentivo a cada um tomar o destino nas próprias mãos:

De quem depende que a opressão prossiga? De nós.
De quem depende que ela acabe? Também de nós.

ou noutra versão

De quem depende que a opressão continue? De nós.
De quem depende que ela seja quebrada? Igualmente de nós.

Deixo-vos com a versão de Arnaldo Saraiva, que primeiro conheci, e que nos tempos da revolução de Abril foi famosa dita por Mário Viegas, e segue-se-lhe a versão de Paulo Quintela publicada posteriormente, em 1975.

Simultaneamente com o desafio reflexivo que o poema convoca, é também à analise da problemática da tradução de poesia que mais uma vez desafio os leitores do blog ao propor-lhes duas versões do mesmo poema fieis ao original e tão dissemelhantes no resultado poético em português.

Elogio da Dialéctica

A injustiça avança hoje a passo firme.
Os tiranos fazem planos para dez mil anos.
O poder apregoa: as coisas continuarão a ser como são.
Nenhuma voz além da dos que mandam.
E em todos os mercados proclama a exploração: isto é apenas o meu começo.
Mas entre os oprimidos muitos há que agora dizem:
Aquilo que nós queremos nunca mais o alcançaremos.

Quem ainda está vivo nunca diga: nunca.
O que é seguro não é seguro.
As coisas não continuarão a ser como são.
Depois de falarem os dominantes
Falarão os dominados.
Quem pois ousa dizer: nunca?
De quem depende que a opressão prossiga? De nós.
De quem depende que ela acabe? Também de nós.
O que é esmagado que se levante!
O que está perdido, lute!
O que sabe ao que se chegou, que há aí que o retenha?
Porque s vencidos de hoje são os vencedores de amanhã.
E nunca será: ainda hoje.

Tradução de Arnaldo Saraiva

Louvor da Dialéctica

A injustiça caminha hoje com passo firme.
Os opressores instalam-se pra dez mil anos.
A força afirma: Como está, assim é que fica.
Voz nenhuma soa além da voz da dominadores
E nas feiras diz alto a exploração: Agora é que eu começo.
Mas dos oprimidos dizem muitos agora:
O que nós queremos, nunca pode ser.

Quem ainda vive, que não diga: nunca!
O certo não é certo.
Assim como está, não fica
Quando os dominadores tiverem falado
Falarão os dominados.
Quem se atreve a dizer: nunca?
De quem depende que a opressão continue? De nós.
De quem depende que ela seja quebrada? Igualmente de nós.
Quem for derrubado, que se levante!
Quem estiver perdido, lute!
A quem reconheceu a sua situação, quem poderá detê-lo?
Pois os vencidos de hoje são os vencedores de amanhã
E do Nunca se faz: Hoje ainda!

Tradução de Paulo Quintela

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