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PRAZERES
O primeiro olhar da janela de manhã
O velho livro de novo encontrado
Rostos animados
Neve, o mudar das estações
O jornal
O cão
A dialética
Tomar duche, nadar
Velha música
Sapatos cómodos
Compreender
Música nova
Escrever, plantar
Viajar, cantar
Ser amável.
Nem todos partilharemos da hierarquia, nem da enunciação dos prazeres descritos neste poema de Bertolt Brecht (1898-1956), datado de 1954.
Poema da meia-idade, e para o poeta, perto do fim da vida; vida que viu as duas guerras mundiais, conheceu o sucesso entre guerras na Alemanha, experimentou exílio com a chegada do nazismo, primeiro europeu e depois nos EUA, e terminou os dias num regresso à então Alemanha comunista. Dir-se-á: de tanta experiência, que mínimos prazeres para lembrar…
Na verdade, a vida vivida, para além da intensidade das experiências profissionais e afectivas, conduz-nos a certa altura à evidência do que todos os dias é realmente importante.
A pressão do consumo, a posse material de coisas, o quadro social quotidiano com os seus valores onde a presença do dinheiro pesa, tudo faz perder de vista o que na verdade é simples: vivemos bem com muito, mas precisamos de muito pouco para viver bem.
Termino com alguns versos do epicurista Lucrécio (sec. I a. C.), extraídos desse poema maior, Da Natureza das Coisas [De rerum natura], a que outro dia voltarei.
Ó infelizes mentes dos homens, ó corações cegos!
Em que tenebrosa existência e em quantos perigos se passa
esta breve vida! Então não vêem que a natureza
nada reclama para si, com impetuosos gritos,
senão que a dor fique afastada do corpo e que se usufrua
de uma mente livre de cuidados e do medo, com um sentimento de prazer?
Portanto, vemos que poucas coisas são absolutamente necessárias
à natureza do corpo: todas as que eliminam a dor
e também as que possam proporcionar muitos deleites.
Livro II, vv 14-22
Notícia bibliográfica
Bertolt Brecht, Poemas, versão portuguesa de Paulo Quintela, Asa Editores, Porto, 2007.
Lucrécio, Da Natureza das Coisas, tradução de Luís Manuel Gaspar Cerqueira, Relogio D’Água, Lisboa, 2015.
Nota
A imagem de abertura reproduz a pintura Guernica (1937), de Picasso (1871-1973).
Tendo como pretexto directo bombardeamentos alemães à aldeia Basca de Guernica durante a Guerra Civil Espanhola, a pintura é para o século XX o ícone contra a barbárie o e terror da guerra.
É preciso lembrá-lo sempre.