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Fará por estes dias quarenta anos. Sei-o, pois era o tempo em que punha nos livros a data da compra, mas era sobretudo, e é o que importa, o tempo das descobertas de formação.
Tinha, havia pouco, encontrado a poesia de Herberto Helder e a sua estranheza para um rapaz nos dezoito anos familiarizado com a poesia das selectas do liceu, lida como cânone poético. E foi aí que a poesia de Bertolt Brecht (1898-1956) irrompeu, na novidade dos seus assuntos e na violência da sua mensagem política.
Lê-la hoje, em Portugal, na conjuntura de guerra social surda que atravessamos, devolve-lhe uma acutilância que os tempos de prosperidade do passado recente tinham empurrado para o esquecimento.
A verdade de Elogio (ou Louvor) da Dialéctica, que a seguir transcrevo, não se gasta com a história, embora o esquecimento dela muitas vezes se instale. É um poema de esperança contra a adversidade:
O que é seguro não é seguro.
As coisas não continuarão a ser como são.
ou noutra versão
O certo não é certo.
Assim como está, não fica
e de incentivo a cada um tomar o destino nas próprias mãos:
De quem depende que a opressão prossiga? De nós.
De quem depende que ela acabe? Também de nós.
ou noutra versão
De quem depende que a opressão continue? De nós.
De quem depende que ela seja quebrada? Igualmente de nós.
Deixo-vos com a versão de Arnaldo Saraiva, que primeiro conheci, e que nos tempos da revolução de Abril foi famosa dita por Mário Viegas, e segue-se-lhe a versão de Paulo Quintela publicada posteriormente, em 1975.
Simultaneamente com o desafio reflexivo que o poema convoca, é também à analise da problemática da tradução de poesia que mais uma vez desafio os leitores do blog ao propor-lhes duas versões do mesmo poema fieis ao original e tão dissemelhantes no resultado poético em português.
Elogio da Dialéctica
A injustiça avança hoje a passo firme.
Os tiranos fazem planos para dez mil anos.
O poder apregoa: as coisas continuarão a ser como são.
Nenhuma voz além da dos que mandam.
E em todos os mercados proclama a exploração: isto é apenas o meu começo.
Mas entre os oprimidos muitos há que agora dizem:
Aquilo que nós queremos nunca mais o alcançaremos.
Quem ainda está vivo nunca diga: nunca.
O que é seguro não é seguro.
As coisas não continuarão a ser como são.
Depois de falarem os dominantes
Falarão os dominados.
Quem pois ousa dizer: nunca?
De quem depende que a opressão prossiga? De nós.
De quem depende que ela acabe? Também de nós.
O que é esmagado que se levante!
O que está perdido, lute!
O que sabe ao que se chegou, que há aí que o retenha?
Porque s vencidos de hoje são os vencedores de amanhã.
E nunca será: ainda hoje.
Tradução de Arnaldo Saraiva
Louvor da Dialéctica
A injustiça caminha hoje com passo firme.
Os opressores instalam-se pra dez mil anos.
A força afirma: Como está, assim é que fica.
Voz nenhuma soa além da voz da dominadores
E nas feiras diz alto a exploração: Agora é que eu começo.
Mas dos oprimidos dizem muitos agora:
O que nós queremos, nunca pode ser.
Quem ainda vive, que não diga: nunca!
O certo não é certo.
Assim como está, não fica
Quando os dominadores tiverem falado
Falarão os dominados.
Quem se atreve a dizer: nunca?
De quem depende que a opressão continue? De nós.
De quem depende que ela seja quebrada? Igualmente de nós.
Quem for derrubado, que se levante!
Quem estiver perdido, lute!
A quem reconheceu a sua situação, quem poderá detê-lo?
Pois os vencidos de hoje são os vencedores de amanhã
E do Nunca se faz: Hoje ainda!
Tradução de Paulo Quintela