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vicio da poesia

Category Archives: Poesia Chinesa

O vinho e a vida em poemas de Tao Yuanming

31 Sexta-feira Ago 2018

Posted by viciodapoesia in Poesia Antiga, Poesia Chinesa

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Alberto Giacometti, Tao Yuanming

…
eu por mim consagro-me a viver em solidão
já faz quarenta anos que a isso me dedico
com devoção e de acordo com a sábia natureza
o meu corpo envelheceu há muito tempo
mas os meus sentimentos continuam intactos,
por isso nada tenho a lamentar.

 

Esta reflexão faz o poeta clássico chinês Tao Yuanming (365-427) num poema que à frente transcrevo na totalidade.
À incerteza da vida e seu futuro, — Preocupações!? amanhã podes não ter nenhumas — responde o poeta em alguns poemas com um convite a gozar o momento que passa, e aproveitar a despreocupação e alegria que o vinho pode proporcionar:

 

Passeio ao longo do rio Xie
…
pego no jarro de vinho
e sirvo os meus companheiros
de copos cheios, bebemos e brindamos à vez
sem sabermos se amanhã ainda estaremos aqui
um pouco já alegres deixamos falar o coração
esquecendo as agruras da vida
não hesites, goza hoje
Preocupações!? amanhã podes não ter nenhumas

 

A vertigem do avançar do tempo — A vida depressa caminha para o nada, — e a incógnita do além, são linhas de reflexão poética que conduzem à evidência de valorizar o momento que passa, plasmadas no poema que segue:

 

 

Chuva incessante e eu bebendo só

A vida depressa caminha para o nada,
sempre assim foi e será
e se neste nosso mundo viveram imortais
como o Pinheiro Vermelho e Wang Chiao,
onde estão eles agora?
um ancião ofereceu-me vinho, garantindo-me a imortalidade
sendo assim bebo um pouco, não tenho nada a perder
aos primeiros golos deixei de sentir
ao fim de uns quantos copos até do céu me esqueci
mantém-te mas é fiel ao momento que passa
e às suas próprias coisas
pássaros de asas mágicas, viajam através das nuvens,
em oito direcções preparam a viagem de volta
eu por mim consagro-me a viver em solidão
já faz quarenta anos que a isso me dedico
com devoção e de acordo com a sábia natureza
o meu corpo envelheceu há muito tempo
mas os meus sentimentos continuam intactos,
por isso nada tenho a lamentar.

 

Além deste e outros poemas isolados reflectindo sobre o valor de carpe diem, o poeta escreveu um pequeno cancioneiro de 19 poemas e uma introdução, bebendo vinho, com uma densa interrogação sobre os tempos e as gentes, onde o vinho tem importante papel na ignição dessas reflexões.

 

Poemas transcritos de Poemas de Tao Yuanming (365-427), edição Livros do Meio, Macau, 2013.
Versão portuguesa de Manuel Afonso Costa.

Abre o artigo a imagem de uma escultura de Alberto Giacometti (1901-1966).

 

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Confúcio – Analectos 7.26 e A Escola de Atenas de Raffaello Sanzio

29 Terça-feira Jan 2013

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poesia Chinesa, Prosas

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Confúcio, Raffaello Sanzio

Rafael - Fresco A escola de Atenas 1“Se considerarmos os grandes pais espirituais da humanidade—Buda, Confúcio, Sócrates, Cristo —, ficaremos impressionados por um curioso paradoxo: hoje, nenhum deles poderia obter sequer um modesto lugar de professor numa das nossas universidades. A razão é simples: as suas qualificações são insuficientes: não publicaram nada.”

Simone Leys na introdução à sua tradução de Analectos de Confúcio.

Abro com esta citação, talvez merecedora de reflexão, sobre o que todos os dias aceitamos não tanto como conhecimento, mas como saber.

Acompanho habitualmente a disposição psicológica com as leituras que de alguma forma me tranquilizam, e muitas vezes delas aqui dou conta. Hoje vem ao caso uma citação de Confúcio, pensador cujas máximas a espaços conforta saborear.

O Mestre disse: “Um santo é coisa que não ouso esperar encontrar. Dar-me-ia por satisfeito se pudesse encontrar um homem de bem.”
O Mestre disse: “Um homem perfeito é coisa que não ouso esperar encontrar. Dar-me-ia por satisfeito se pudesse encontrar um homem de princípios. Quando o Nada passa por Alguma coisa, o Vazio passa por Plenitude e a Penúria passa por Prosperidade, é difícil ter princípios.”

Analectos, 7.26

Tradução de António Gonçalves a partir das versões francesa e inglesa de Pierre Rickmans (Simone Leys).

Abre o artigo um detalhe do fresco de Raffaello Sanzio (1483-1520), Escola de Atenas, pintado na Stanza della Segnatura dos Palácios Pontifícios do Vaticano, representando Platão e Aristóteles.

Segue-se uma vista da totalidade do fresco e alguns detalhes deste, dando-nos uma visão idealizada da transmissão do saber no convívio de sábios e estudantes.

Rafael - Fresco A escola de Atenas 0

Rafael - Fresco A escola de Atenas 11

Rafael - Fresco A escola de Atenas 3

Rafael - Fresco A escola de Atenas 2

Rafael - Fresco A escola de Atenas 4

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Poesia de Li Ch’ing-chao

04 Terça-feira Out 2011

Posted by viciodapoesia in Poesia Antiga, Poesia Chinesa

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Li Ch'ing-chao

Nesta volta pela poesia produzida no mundo à roda do século XII e que chegou até nós, depois dos Carmina Burana, da poesia de Francisco de Assis, de poesia do Al-Andaluz com o meu conterrâneo  ABÛ ‘UTHMÂN e AL-MU’TAMID, também cantado por Carlos Cano, tendo ainda viajado brevemente até à Persia à poesia de Omar Jayyam, viajamos hoje até à China e à poesia de Li Ch’ing-chao (1084-1150).

Comecemos com uma versão em português de Gil de Carvalho:

Primavera em Wuling

Parou o vento. Até a poeira é perfumada.

Já é tarde. Não me apetece pentear-me.

As coisas estão aqui mas ele o homem não – tudo acabou.

Quero falar – mas correm-me as lagrimas

Ouvi dizer que no Regato Duplo é ainda Primavera.

Gostaria de ir até lá andar numa barca leve

Mas tenho receio que barca tão frágil

Não suporte o peso de tanto sofrimento.

Vejamos agora uma primeira versão em inglês:

Spring Ends

To the tune “Spring in Wu-ling“

The wind stops.

Nothing is left of Spring but fragrant dust.

Although it is late in the day,

I have been too exhausted to comb my hair.

Our furniture is just the same,

But he no longer exists.

I am unable to do anything at all,

Before I can speak my tears choke me.

I hear that Spring at Two Rivers

Is still beautiful.

I had hoped to take a boat there,

But I am afraid my little boat

Is too small to ever reach Two Rivers,

Laden with my heavy sorrow.


A tradução é de Kenneth Rexroth (1905-1982) & Ling Chung e foi publicada em Women Poets of China, New Directions, 1972.

E por fim uma tradução de David Hinton em Classical Chinese Poetry, An Anthology, Farrar, Strauss and Giroux, 2008:

Untitled
A lovely wind, dust already fragrant with fallen blossoms:

it’s sunset, and I can’t even comb my hair.

Things go on and on. People don’t: all our great plans vanish.

Now, if I try to speak, nothing comes but tears.


I hear spring along Twosomes Creek is still exquisite, my love,

And I ache to go drifting there in a light boat,

but I’m afraid those frail little Twosomes-Creek boats

couldn’t bear up all this grief and sorrow.

Entre estas três versões do poema, que não sei ler em chinês, existem substanciais alterações de sentido no detalhe dos versos, sendo que no essencial todas dão conta da desolação da viúva na sua solidão, com aquela belíssima imagem final de o peso do sofrimento poder afundar um barco.

É uma característica desta poesia clássica chinesa, o cruzamento entre o sentimento e a materialidade do mundo em redor, utilizando esse mesmo mundo para, com imagens inesperadas, traduzir a natureza e extensão do sentir.

Todas as fontes são comuns na importância da poesia de Li Ch’ing-chao no conjunto da poesia chinesa de todos os tempos. Há uma unanimidade em a considerar a maior poetisa chinesa do período clássico.

Li Ch’ing-chao (1084-1150) nasceu numa família aristocrática, que deu às filhas as mesmas oportunidades de educação que aos filhos, prática completamente fora dos hábitos da época na China. A família casou-a com um intelectual e poeta, Chao Ming-ch’eng, com quem formou, aparentemente, o casal intelectual ideal. É lendária a colecção de livros, pinturas, caligrafias e antiguidades que ambos formaram. Obrigados a fugir à medida que o norte da China era conquistado pelos tártaros, foram, na fuga, perdendo toda esta colecção. No meio desta fuga o marido morreu de morte súbita, ficando Li Ch’ing-chao, viúva aos quarenta e seis anos, sem meios de vida, numa sociedade fortemente sexista em que a mulher se encontrava subordinada de forma absoluta ao homem. Mulher sózinha, sem protecção de um macho, pouco se sabe das duas décadas que ainda viveu. Ao morrer deixou cerca de 1000 poemas, mas como aconteceu com muitas das poetisas da antiga China, esta colecção perdeu-se completamente. O que dela hoje conhecemos chegou por fontes secundarias e metade é de autoria duvidosa.

A poesia que dela se conhece afasta-se da de outras poetisa da antiga China, cortesãs ou esposas abandonadas, muita da qual escrita afinal por homens, e pelo contrário transmite uma emoção banhada de experiência pessoal que a aproxima da poesia de uma Gaspara Stampa ou de uma Louise Labé. Os conhecedores arrumaram no passado a sua poesia em três períodos: primeiro a vida feliz enquanto casada, segundo a desolação após a morte do marido e terceiro, a progressiva solidão à medida que envelhecia. Hoje parece ser mais avisado ler os seus poemas apenas como tocantes poesia criada por uma poetisa de génio e dissociá-los de aspectos de biografia.

O género de poemas, como o aqui transcrito, destinado a ser cantado com acompanhamento musical para entreter convidados, é conhecido como Tz’u, significando “as palavras”. Terá sido Li Ch’ing-chao e alguns contemporâneos, quem deu inicio a um conteúdo discurso nestas letras de canções com uma escrita critica que passou a ser conhecida como “Tz’u lun” (discurso nas palavras) geralmente considerados os Tz’u mais interessantes.

Existem diferenças na romanização do nome da poetisa e algum desencontro sobre o período em que viveu, nas diferentes fontes consultadas:

– Gil de Carvalho em Uma Antologia da Poesia Chinesa adopta para a romanização do nome o Pinyin e escreve Li Qingzhao 1081-1145?

– Kenneth Rexroth  & Ling Chung em Women Poets of China  tal como  David Hinton em Classical Chinese Poetry, An Anthology escrevem, os primeiros LI CH’ING-CHAO (1084-1151), e o segundo Li Ch’ing-chao (1084-1150) adoptando na romanização do nome a transcrição mais antiga de Wade-Giles.

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