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É pela Semana Santa que o mundo cristão reflecte sobre a morte e ressurreição, ou seja, sobre a esperança de vida eterna.
No último verso do poema A Pergunta de Stevens, de Eugénio de Andrade (1923-2005) — Em vez da morte, que teremos no paraíso? — encontro formulada a pergunta insistente sobre o além-vida, para a qual ninguém tem a resposta. É esse desconhecido que ora nos aterra, ora nos tranquiliza, a base do sentimento religioso: a busca da explicação para o inexplicável. E são muitas as formas como com ele lidamos. É de novo Eugénio de Andrade quem nos trás uma das muitas abordagens da tentativa da sua compreensão, através de uma leitura de como sentimos a morte dos outros em nós, com o poema Pequena Elegia de Setembro. Mas ainda aqui são mais as perguntas que as respostas:
Pequena Elegia de Setembro
Não sei como vieste,
mas deve haver um caminho
para regressar da morte.
Estás sentada no jardim,
as mãos no regaço cheias de doçura,
os olhos pousados nas últimas rosas
dos grandes e calmos dias de setembro.
Que música escutas tão atentamente
que não dás por mim?
Que bosque, ou rio, ou mar?
Ou é dentro de ti
que tudo canta ainda?
Esta visão da morte banhada em serenidade, ou antes, melancolia, como o poeta refere num poema do mesmo nome, é uma medida da possível relação humana com ela:
Melancolia
O sol mal entra em casa — escrevo
sobre a fugidia
luz de areia,
luz que não encontra morada.
Tudo me dói neste dia
em que os mortos deixam à porta
dos vivos
a corrosiva melancolia.
Sem respostas, … Mas também / o poeta escreve direito por linhas / tortas: a poesia é a ficção / da verdade. … / (do poema São Coisas Assim), é com o poema Balança que termino, dando voz ao profundo significado da vida, pois ao pensar na morte, é sempre sobre a vida que pensamos:
Balança
No prato da balança um verso basta
para pesar no outro a minha vida.
E no equilíbrio com que pela vida nos movemos se encerra o significado do existir. Sem mais!
Poemas transcritos de Eugénio de Andrade, Poesia, Rosto Editora, lda, V.N.Gaia.
Abre o artigo a imagem de uma pintura do pintor de Siena, Giovanni di Paolo di Grazia (1398-1482), Paraíso.
A pintura é parte de um tríptico que inclui uma Criação e uma Expulsão do Paraíso, todos pertença da colecção do Metropolitan Museum de New York.
Imaginar o além-vida como este mundo de harmonia entre anjos e humanas criaturas no século XV em Siena, ocupados em amena e eterna conversação, é uma deliciosa visão.