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À entrada da adolescência li, numa colecção de novela contemporânea editada pela Portugália, uma história de D. H. Lawrence, onde o escritor efabulava sobre a vida de anonimato vivida por Jesus na terra após a ressurreição. Na altura pareceu-me de extrema ousadia aquele questionar de dogmas da igreja católica. Ainda não estava familiarizado com as liberdades da ficção.
É na ausência de constrangimentos na criação literária que, por vezes encontramos os caminhos para respostas a perguntas que nem sabemos formular. Outras vezes, trata-se apenas de confrontar convicções adquiridas com outras perspectivas, quais sejam, por exemplo, as agnósticas considerações que, despidas de pressupostos religiosos, Páladas de Alexandria (n. 392 d.C.) faz sobre a existência humana e o seu fim, e hoje transcrevo:
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A espera da morte é motivo de sofrimento,
mas dele, ao morrer, o homem se liberta.
Não chores, pois, o que deixou a vida:
não há sofrimento para além da morte.
Noutra perspectiva, ambições, prazeres, e angústias que a vida traz, são tudo irrelevâncias perante o fim que a todos nos espera:
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Perigosa navegação é a vida. Nela balouçados,
sofremos às vezes mais duramente do que os náufragos.
Tendo como piloto da vida a Fortuna,
como no mar vogamos inseguros,
uns com vento de feição, outros contrário. Todos, porém,
nos dirigimos para um porto subterrâneo.
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És rico; e depois? Quando, ao partir, te meterem no caixão,
levarás contigo a riqueza? Consumiste
o tempo a acumulá-la. Não poderás, todavia,
acumular mais dias de vida.
Na verdade, a realidade insofismável é esta:
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Vim nu à terra e nu irei para debaixo dela.
Porque me afadigo em vão, se o fim é a nudez?
Tradução de Alberto Martins
in do mundo grego outro sol, Edições Asa, Porto, 2001.
Os números que antecedem cada poema identificam o epigrama no seio da tradução portuguesa, e integram o capítulo dos epigramas exortativos.
Abre o artigo a imagem de uma pintura de Arpad Szenes (1897-1985), Pedra de meditação, de 1980.