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Ao que leio, em Silicon Valley, os protagonistas e seus continuadores que pensaram, pensam, e realizam a revolução tecnológica em que o mundo está mergulhado, interrogam-se. Ao fim-de-semana parece ser a ocasião para meditar sobre os próprios, o sentido das suas vidas mergulhadas na tecnologia, e os valores. Servem-se de técnicas ancestrais de isolamento e concentração experimentadas nas velhas civilizações orientais, yoga e outras, e assim buscam encontrar o sentido para viver cada dia. Seguem, pois, o concelho de Gregório de Naziano (329-389), em Oração à Alma:
É tempo, ó minha alma, é mais que tempo, se quiseres conhecer-te a ti própria, o teu ser e o teu destino.
Donde vens, e onde precisas repousar.
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Pensar no Google, já o escrevi aqui antes, na sua presença em toda a parte, na sua resposta a tudo o que perguntamos, ainda que a resposta possa não ser o que procuramos, é um bom exercício para quem tenha dificuldade em apreender a omnipresença e omnisciência de Deus.
Estamos pois perante uma trilogia: Indivíduo, alma e Deus, que esmiuçarei um pouco mais, com ajuda pelo meio de Wislawa Szymborska (1923-2012).
Pensar-se o indivíduo, pensar a existência, pensar o mundo, é exercício sempre recomendável em qualquer tempo e lugar. Escolha, acaso, ou necessidade, saber sempre ao acordar porque se desperta naquela cama, é o caminho para poder decidir que fazer da vida. As escolhas fazêmo-las todos os dias. Mesmo quando deixamos andar o que nos incomoda ou perturba, estamos a escolher nada fazer. O livre-arbítrio de que somos dotados permite isso mesmo. E tem sempre consequências. Meditá-las é de bom conselho:
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Se a vida é o que nós vivemos, ou se esperamos melhor.
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Qual a minha ligação à vida, e qual é o seu final?
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E eventualmente:
…
O que houve antes do mundo, o que representa para ti o mundo
Donde vem e qual é o seu destino.
Mas a questão da alma às vezes intromete-se, e é uma interrogação velha para a qual Wislawa Szymborska tem uma resposta iluminante:
A alma vai-se tendo.
Ninguém a tem constantemente
nem para sempre.
Dia após dia,
ano após ano,
pode passar-se sem ela.
…
Raramente nos assiste
nas tarefas maçadoras,
como deslocar móveis,
carregar umas malas
ou calcorrear uma estrada com as botas apertadas.
…
Podemos contar com ela,
quando de nada estamos certos,
porém curiosos de tudo.
…
Não diz de onde vem,
nem quando tornará a deixar-nos,
mas espera evidentemente por tais perguntas.
…
(*)
É este Podemos contar com ela, / quando de nada estamos certos, / porém curiosos de tudo. que nos desarma a confiança. Pois ela não vem para nos dar certezas. E perante a permanência das dúvidas, responde: Deus é a resposta.
O mundo da poesia é um mundo dos homens. Se ela se ocupa das suas alegrias e tragédias, sejam sociais ou pessoais, do mal-estar aos prazeres, também do seu transcendente cuida. E as interrogações expostas antes estão plasmada no poema Oração à Alma, qualquer que seja o significado que a Deus cada um dê. É sempre do eu imaterial que falamos.
Oração à Alma
É tempo, ó minha alma, é mais que tempo, se quiseres conhecer-te
a ti própria, o teu ser e o teu destino.
Donde vens, e onde precisas repousar.
Se a vida é o que nós vivemos, ou se esperamos melhor.
Põe-te ao trabalho, ó minha alma, é preciso purificar a tua vida.
Busca a Deus e os seus mistérios:
O que houve antes do mundo, o que representa para ti o mundo
Donde vem e qual é o seu destino.
Põe-te ao trabalho, ó minha alma, é preciso purificar a tua vida.
Porque aqui é o movimento e no além o repouso.
Porque nós somos levados pela corrente da vida.
Põe-te ao trabalho, ó minha alma, olha apenas a Deus.
O que foi o meu orgulho, hoje é a minha vergonha.
Qual a minha ligação à vida, e qual é o seu final?
Ilumina o meu espírito, dissipa todos os erros,
Põe-te ao trabalho, ó minha alma, e não sucumbas à dor.
Tradução de Armando Silva Carvalho
in A Oração dos Homens, uma antologia das tradições espirituais, Assírio & Alvim, Lisboa, 2006.
(*) Excertos do poema Um Pouco da Alma, tradução de Elzbieta Milewska e Sérgio Neves.
in Instante, Relógio d’Água Editores, Lisboa, 2006.
Abre o artigo a imagem de uma obra de Max Ernst (1891-1976), Sem título – dada.