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Sentir a casa como mulher, descobri-la aos poucos, e desejá-la cada vez mais, é o originalíssimo feito de João Cabral de Melo Neto (1920-1999) no poema A mulher e a casa:
…
pelos espaços de dentro: / seus recintos, suas áreas,
organizando-se dentro / em corredores e salas,
os quais sugerindo ao homem / estâncias aconchegadas,
paredes bem revestidas / ou recessos bons de cavas,
exercem sobre esse homem / efeito igual ao que causas:
e vontade de corrê-la / por dentro, de visitá-la.
Talvez apenas uma paixão simultânea de engenheiro e poeta conduza a um poema assim, mas é de todos o simultâneo prazer de descoberta e aconchego, quando acontece o encontro com uma casa que se cola a nós como segunda pele, qual mulher a quem o amor nos entregou para sempre.
Ao longo da vida vivemos diferentemente as casas por onde passamos, tal como é diferente a vivência com cada uma das mulheres que encontrámos. De todas fica um sabor que nos acompanha, e fez de nós umas vezes seres gregários, outras vezes leves penas transportadas pelo vento.
A mulher e a casa
Tua sedução é menos
de mulher do que de casa:
pois vem de como é por dentro
ou por detrás da fachada.
Mesmo quando ela possui
tua plácida elegância,
esse teu reboco claro,
riso franco de varandas,
uma casa não é nunca
só para ser contemplada;
melhor: somente por dentro
é possível contemplá-la.
Seduz pelo que é dentro,
ou será, quando se abra:
pelo que pode ser dentro
de suas paredes fechadas;
pelo que dentro fizeram
com seus vazios, com o nada;
pelos espaços de dentro,
não pelo que dentro guarda;
pelos espaços de dentro:
seus recintos, suas áreas,
organizando-se dentro
em corredores e salas,
os quais sugerindo ao homem
estâncias aconchegadas,
paredes bem revestidas
ou recessos bons de cavas,
exercem sobre esse homem
efeito igual ao que causas:
e vontade de corrê-la
por dentro, de visitá-la.
Poema transcrito de A educação pela pedra e depois, Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1997.
Abre o artigo a imagem de uma pintura de Geza Voros (1897-1957), Mulher num quarto com blusa de riscas.
João Cabral de Melo Neto sempre genial. Fez o corpo feminino uma casa. rogersantana.wordpress.com
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Obrigado.
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Muito confortante e delicioso.
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