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A música de Pedro Ayres Magalhães e Rodrigo Leão para o poema de Gomes Leal (1848-1921) Cantiga do Campo capta a atmosfera luminosa deste, simultaneamente ensolarada e fresca, qual a da natureza pelo verão, servida por uma refinada orquestração.
O mundo rústico de que o poema fala está extinto, mas o desejo do contacto com a natureza assalta as gentes urbanas nestes dias de verão que incendeiam corpos e almas, levando multidões atrás da música em festivais com a paisagem silvestre quase intocada por cenário.
A música no seu mistério de devolver a harmonia ao humano é o catalisador destes parêntesis numa vida por demais enfeudada à vertigem das exigências de todos os dias.
Antes de transcrever o poema, registo além das variadas versões pelos Madredeus a belíssima e original interpretação da canção por Mylene, cantora brasileira que em 2007 gravou um esplêndido disco com diversas canções dos Madredeus.
As canções tanto nas interpretações dos Madredeus como de Mylene encontram-se on-line nos lugares do costume.
Cantiga do Campo
Por que andas tu mal comigo
Ó minha doce trigueira?
Quem me dera ser o trigo
Que, andando, pisas na eira!
Quando entre as mais raparigas
Vais cantando entre as searas,
Eu choro ao ouvir-te as cantigas
Que cantas nas noites claras!
Os que andam na descamisa
Gabam a viola tua,
Que, às vezes, ouço na brisa
Pelos serenos da lua.
E falam com tristes vozes
Do teu amor singular
Àquela casa onde cozes,
Com varanda para o mar.
Por isso nada me medra,
Ando curvado e sombrio!
Quem me dera ser a pedra
Em que tu lavas no rio!
E andar contigo, ó meu pomo
Exposto às chuvas e aos sois!
E uma noite morrer como
Se morrem os rouxinóis!
Morrer chorando, num choro
Que mais as magoas consola,
Levando só o tesouro
Da nossa triste viola!
Por que andas tu mal comigo?
Ó minha doce trigueira?
Quem me dera ser o trigo
Que, andando, pisas na eira!
in Gomes Leal, Claridades do Sul, Braz Pinheiro Editor, Lisboa, 1875.
Modernizei a ortografia.
Acompanham o artigo imagens de pinturas de Jean-Francois Millet (1814-1875) entremeadas com a imagem do poster original do Festival de Woodstock em 1969, pontapé de saída para os festivas de verão em ambiente rural.