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É sobretudo música o que nos entra na alma ao ler a poesia de Casimiro de Abreu (1839-1860), seja na esfuziante alegria de ambiente brasileiro: paisagens e amores; seja nos doridos poemas de saudade, ou na pungente poesia da morte anunciada aos vinte anos (o poeta morreu aos vinte e um anos). Em todos, é a fluência melódica do verso que seduz à primeira leitura. Muitos são os poemas que apetece transcrever. Decido-me por um, A Valsa, de atípica construção na obra do poeta. É uma vertiginosa cadência de palavras a cuja leitura irresistivelmente dançamos, levados pelo ritmo ternário do poema. Mais tarde, meio-século mais tarde, já no século XX, Almada Negreiros compõe, na mesma linha, mas com a modernidade temática do seu tempo, Rondel do Alentejo, que anteriormente transcrevi.
A valsa
Tu, ontem,
Na dança
Que cansa,
Voavas
Co’as faces
Em rosas
Formosas
De vivo,
Lascivo
Carmim;
Na valsa
Tão falsa,
Corrias,
Fugias,
Ardente,
Contente,
Tranqüila,
Serena,
Sem pena
De mim!
Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!…
— Não negues,
Não mintas…
— Eu vi!…
Valsavas:
— Teus belos
Cabelos,
Já soltos,
Revoltos,
Saltavam,
Voavam,
Brincavam
No colo
Que é meu;
E os olhos
Escuros
Tão puros,
Os olhos
Perjuros
Volvias,
Tremias,
Sorrias,
P’ra outro
Não eu!
Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!…
— Não negues,
Não mintas…
— Eu vi!…
Meu Deus!
Eras bela
Donzela,
Valsando,
Sorrindo,
Fugindo,
Qual silfo
Risonho
Que em sonho
Nos vem!
Mas esse
Sorriso
Tão liso
Que tinhas
Nos lábios
De rosa,
Formosa,
Tu davas,
Mandavas
A quem ?!
Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!…
— Não negues,
Não mintas,..
— Eu vi!…
Calado,
Sózinho,
Mesquinho,
Em zelos
Ardendo,
Eu vi-te
Correndo
Tão falsa
Na valsa
Veloz!
Eu triste
Vi tudo!
Mas mudo
Não tive
Nas galas
Das salas,
Nem falas,
Nem cantos,
Nem prantos,
Nem voz!
Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!…
— Não negues
Não mintas…
— Eu vi!
Na valsa
Cansaste;
Ficaste
Prostrada,
Turbada!
Pensavas,
Cismavas,
E estavas
Tão pálida
Então;
Qual pálida
Rosa
Mimosa
No vale
Do vento
Cruento
Batida,
Caída
Sem vida.
No chão!
Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!…
— Não negues,
Não mintas…
Eu vi!
Rio — 1858.
Transcrito de As Primaveras, Novíssima edição acrescentada de Novas Poesias e da Scena Dramatica O Camões e o Jáo e Dois Romances em Prosa, Lisboa, Imprensa de J. G. de Sousa Neves,1875.
Na transcrição do poema modernizei a ortografia.
Recitava esta poesia para os meus filhos, quando crianças. Era um deleite para todos nós. Que saudade!
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TÃO LINDO POEMA. ME LEMBRO DE TER LIDO PELA PRIMEIRA VEZ NA ADOLESCÊNCIA E O AMEI E AINDA HOJE SINTO O MESMO AMOR POR TÃO LINDAS PALAVRAS.
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Amo essa valsa-poema tão verdadeiramente humana, de uma paixão visceral, capaz de dizer o que muitas vezes não somos capazes.
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