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Terá talvez havido um tempo em que a política era entendida generalizadamente como o serviço dos outros. É escassa a memória histórica de tal. Mas lembrar o que deve ser nunca é perda de tempo. Escreveu-o o romano Cícero (106-43 a. C.) em Dos Deveres com quem inicio o artigo, citando o grego Platão (428/7-328/7a. C.), e lembra-o Salvador Espriu (1913-1985), o poeta catalão, de quem depois transcrevo o poema XXIV de A Pele de Touro em tradução de Manuel de Seabra.
... os que se preparam para governar a república ( Res publica) devem observar dois preceitos de Platão. Um é que devem cuidar tanto dos interesses dos seus concidadãos que todos os seus actos se devem aferir por esta medida, esquecendo o seu próprio bem-estar; o outro, é que cuidem de todo o corpo da Res publica, a fim de, ao tratarem de uma parte, não abandonarem as restantes. Pois tal como a tutela, assim a administração da Res publica deve ser conduzida, não para vantagem daqueles a quem está entregue, mas daqueles que lhes foram confiados.
(Cícero, Dos Deveres I.25.85)
A Pele de Touro — poema XXIV
Se te chamam a guiar
um breve momento
do caminhar milenário
das gerações,
afasta o oiro,
o sono e o nome.
Também a pompa
vã das palavras,
a vergonha do ventre
e das honrarias.
Imporás
a verdade
até à morte,
sem a ajuda
de nenhum consolo.
Não esperes nunca
deixar lembrança,
porque és apenas
o mais humilde
dos servidores.
O desvalido
e o que sofre
sempre serão
os teus únicos senhores.
Excepto Deus,
que te pôs
debaixo dos pés
de todos.
Salvador Espriu, A Pele de Touro, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1975.
O fragmento de Cícero, em tradução de Maria Helena da Rocha Pereira, foi transcrito de Romana, Antologia da Cultura Latina, 6ª edição aumentada, Babel, Lisboa, 2010.
A obra encontra-se integralmente traduzida em Edições 70, Lisboa.
Abre o artigo uma imagem do fresco de Ambrogio Lorenzetti (c. 1290-1348), Alegoria do Bom e do Mau Governo, no Palácio Cívico de Siena, mostrando os efeitos do bom governo na vida da cidade.