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Lucien Freud - Man with a Feather (Self-portrait) 1943 600px

Nos nossos dias, e a ter em conta os poetas, o amor é tudo menos romântico. Será um aconchego de corpos, será uma renúncia à solidão, será talvez uma exigência social, mas as paixões despidas da razão parecem definitivamente fulgores de outras eras.

 

No poema Anúncio do catalão Toni Montesinos Gilbert (1972) dá-se conta da demanda da mulher ideal para um homem dos nossos dias. O conjunto de quesitos é sedutor, mas falta na lista aquele quid que nos leva dos píncaros de felicidade ao abismo do desespero, numa oscilação que apenas o que convencionámos chamar amor, consegue.

 

O que, porventura, possa existir de irónico no poema, deixo à apreciação dos leitores.

 

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Procuro mulher sincera e cautelosa,

bela, hábil na cozinha e na cama,

de boa linhagem, sabia e eficiente,

que seja cuidadosa, terna, doce,

extrovertida e de aspecto elegante.

 

Que se dispa lentamente e tenha

carta de condução, uma carreira,

olhos grandes e boca muito suave.

 

Nem muitos nem poucos anos: os necessários.

 

Deverá, ainda assim, dar-me alegria.

 

Tem de praticar desporto, e gostar

de música clássica e de leitura;

atenta e sociável com os meus amigos.

 

Não interessa a cor do cabelo,

a raça ou a cultura. Quero apenas amá-la.

Quero que, ao vê-la, a vida comece.

Procuro apenas uma mulher preparada

para viver a minha prolongada morte.

 

Tradução de Manuel de Freitas

Transcrito da revista Telhados de Vidro nº5, Novembro de 2005.

 

Abre o artigo a imagem de um auto-retrato de Lucien Freud (1922-2011) pintado em 1943.