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Nos nossos dias, e a ter em conta os poetas, o amor é tudo menos romântico. Será um aconchego de corpos, será uma renúncia à solidão, será talvez uma exigência social, mas as paixões despidas da razão parecem definitivamente fulgores de outras eras.
No poema Anúncio do catalão Toni Montesinos Gilbert (1972) dá-se conta da demanda da mulher ideal para um homem dos nossos dias. O conjunto de quesitos é sedutor, mas falta na lista aquele quid que nos leva dos píncaros de felicidade ao abismo do desespero, numa oscilação que apenas o que convencionámos chamar amor, consegue.
O que, porventura, possa existir de irónico no poema, deixo à apreciação dos leitores.
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Procuro mulher sincera e cautelosa,
bela, hábil na cozinha e na cama,
de boa linhagem, sabia e eficiente,
que seja cuidadosa, terna, doce,
extrovertida e de aspecto elegante.
Que se dispa lentamente e tenha
carta de condução, uma carreira,
olhos grandes e boca muito suave.
Nem muitos nem poucos anos: os necessários.
Deverá, ainda assim, dar-me alegria.
Tem de praticar desporto, e gostar
de música clássica e de leitura;
atenta e sociável com os meus amigos.
Não interessa a cor do cabelo,
a raça ou a cultura. Quero apenas amá-la.
Quero que, ao vê-la, a vida comece.
Procuro apenas uma mulher preparada
para viver a minha prolongada morte.
Tradução de Manuel de Freitas
Transcrito da revista Telhados de Vidro nº5, Novembro de 2005.
Abre o artigo a imagem de um auto-retrato de Lucien Freud (1922-2011) pintado em 1943.
Este poeta é meio exigente. Ele vai encontrar isto tudo numa mulher só, mas será que vai amá-la mesmo, ou vai apenas ter a mulher que sonhou, e que pouco depois deixará de ser a ideal?
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