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Vinho e amor, combinação sublime que a poesia canta nos mais variados registos, surge em quase todas as tradições poéticas que o prazer não temem. Hoje, um poema do cancioneiro herdado do Al-Andaluz, transcrito em duas versões. O poeta, esse foi Ibn Baqî (?-1150).
De Ibn Baqî apenas sei que nasceu em Toledo. Segundo as fontes consultadas terá sido um poeta errante desde a juventude, partindo cedo para Saragoça, passando a Córdova e mais tarde Sevilha. Terá atravessado o estreito de Gibraltar até Marrocos, de onde, na sua continuada busca e insatisfação (diz-se que era muito orgulhoso de si) regressou à Andaluzia natal, onde morreu em 1150.
O poema, todo ele excitação e força, tem nas versões de Jorge Sousa Braga, primeiro, e David Mourão-Ferreira, depois, resultados equivalentes na dissemelhança das opções de tradução.
Cena de Amor
Enquanto a noite arrastava a sua cauda de sombra
dei-lhe a beber vinho escuro e espesso como o pó de almíscar
E estreitei-a contra mim como um guerreiro estreita a espada
e as suas tranças pendiam dos meus ombros como talins
Quando por fim se rendeu ao sono afastei-a de mim
Afastei-a do meu peito
para que não adormecesse sobre uma almofada palpitante
Versão de Jorge Sousa Braga
*
Quando a noite arrastava a sua cauda de sombra,
dei-lhe a beber um vinho escuro e espesso
como o almíscar em pó
que se sorve pelas narinas.
Apertei-a com força, como o valente aperta a espada,
e as suas tranças eram correias de couro
que de meus ombros afinal pendessem…
Até que finalmente a afastei de mim
(de mim, a quem estava abraçada…)
quando ao peso do sono se rendeu.
Sim, afastei-a do peito que a amava
— para que não dormisse, em sobressalto,
sobre uma tão incómoda almofada
que só por causa dela palpitava.
Versão de David Mourão-Ferreira
Notícia bibliográfica
Tradução de Jorge Sousa Braga in O Vinho e as Rosas, Antologia de poemas sobre a embriaguês, Assírio & Alvim, Lisboa, 1995.
Tradução de David Mourão-Ferreira in Vozes da Poesia Europeia – I, Colóquio Letras nº163, Lisboa Janeiro-Abril de 2003.
Traduções feitas a partir de fontes indirectas, e que serão em David Mourão-Ferreira a histórica versão castelhana de Emilio Garcia Gomez, não sendo a fonte indicada para a tradução de Jorge Sousa Braga,
Mahmud Sobh, El diván de la poesía árabe oriental y andalusí, Visor Libros, Madrid, 2012.
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