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São habitualmente datas de júbilo os dias de aniversário de amigos. Em poesia, e ao longo do século XIX, foram frequentes os poemas oferecidos pelos poetas nos álbuns das pessoas de suas relações. Poucos merecerão hoje em dia a atenção do leitor. Não é o caso desta saborosa invectiva de João de Deus (1830–1896):
Com que então caiu na asneira / De fazer na quinta-feira / Vinte e seis anos! Que tolo!
Quando são merecedores de atenção, ainda hoje, os poemas são reflexões sobre o passar do tempo, os ensinamentos da vida, e algumas vezes relatos de agruras pessoais como se encontram em Filinto Elisio (1734-1819) ou Francisco Joaquim Bingre (1763–1856).
No poema de João de Deus que escolhi, essa reflexão é feita nas duas ultimas sextilhas em tom brincado, assegurando ao poema uma frescura que o faz parecer eternamente novo. Ora leia:
Dia de anos
Com que então caiu na asneira
De fazer na quinta-feira
Vinte e seis anos! Que tolo!
Ainda se os desfizesse…
Mas fazê-los não parece
De quem tem muito miolo!
Não sei quem foi que me disse
Que fez a mesma tolice
Aqui o ano passado…
Agora o que vem, aposto,
Como lhe tomou o gosto,
Que faz, o mesmo? Coitado!
Não faça tal porque os anos
Que nos trazem? Desenganos
Que fazem a gente velho:
Faça outra coisa; que em suma
Não fazer coisa nenhuma,
Também lhe não aconselho.
Mas anos, não caia nessa!
Olhe que a gente começa
Às vezes por brincadeira,
Mas depois se se habitua,
Já não tem vontade sua
E fá-los queira ou não queira!
O poema encontra-se em qualquer edição de Campo de Flores e a imagem de abertura é de Egon Schiele (1890-1918).