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Fragonard - O Balouço II 1767

Como balouça, como adeja, como

é galanteio o gesto com que, obsceno,

o amante se deleita olhando apenas!


Com estes três versos capta Jorge de Sena (1918-1978) o sentimento que primeiro invade quem olha esta pintura de Jean-Honoré Fragonard (1732-1806). Exemplo de excelência sobre a capacidade de a pintura no estático da sua natureza transmitir o movimento, ela dá-nos mais: dá a a ver a vida sem preocupação, levada no vai-vem da sedução, envolvida por uma atmosfera de harmonia. É um exemplo raro de uma pintura feliz, e com ela vos desejo bom fim-de-semana.

Como balouça pelos ares no espaço

entre arvoredo que tremula e saias

que lânguidas esvoaçam indiscretas!

Que pernas se entrevêem, e que mais

não vê o que indiscreto se reclina

no gozo de escondido se mostrar!

Que olhar e que sapato pelos ares,

na luz difusa como névoa ardente

do palpitar de entranhas na folhagem!

Como um jardim se emprenha de volúpia,

torcendo-se nos ramos e nos gestos,

nos dedos que se afilam, e nas sombras!

Que roupas se demoram e constrangem

o sexo e os seios que avolumam presos,

e adivinhados na malícia tensa!

Que estátuas e que muros se balouçam

nessa vertigem de que as cordas são

tão córnea a graça de um feliz marido!

Como balouça, como adeja, como

é galanteio o gesto com que, obsceno,

o amante se deleita olhando apenas!

Como ele a despe e como ela resiste

no olhar que pousa enviesado e arguto

sabendo quantas rendas a rasgar!

Como do mundo nada importa mais!

Assis, 8 Abril 61

Publicado pela primeira vez em Metamorfoses, seguidas de Quatro Sonetos a Afrodite Anadiómena, 1963, e transcrito de Poesia II, Moraes Editores, Lisboa, Maio de 1978.

A pintura que abre o artigo é conhecida como O Balouço II. Para quem não conheça O Balouço I, com ela fecho o artigo.

Fragonard - O Balouço I