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Para uma mente organizada nos pressupostos do método científico como forma de percepcionar a verdade, há um esforço prévio à fruição da poesia religiosa, sobretudo no período barroco, decorrente do argumentário organizado nesta. Aqui, a matéria de fé não oferece controvérsia e a verdade revelada é o ponto de partida inquestionado para o exercício verbal da devoção.
Entre os exemplos notáveis desta expressão poética encontro este soneto à Virgem escrito por Soror Violante do Ceo (1601-1693), dando conta de uma visão deslumbrada — Quem quiser ver de Deus as maravilhas, / Veja das maravilhas a Senhora. Seriam adequadas considerações de história religiosa a pretexto da identificação que o poema faz entre Deus e a Virgem Maria, para as quais não estou minimamente preparado. Atenho-me por isso à construção do poema para realçar quanto o vocabulário laudatório e a construção do verso criam, à medida que o poema avança, uma encantatória melodia, que em crescendo nos leva à chave do soneto num emocionante remate.
A Nossa Senhora das Maravilhas
Ó Tu de Maravilhas superiores
Compêndio singular, cifra divina,
Do artífice maior obra mais dina,
Belíssimo exemplar de excelsas flores!
Maravilha maior entre as maiores,
Glória da Magestade Única e Trina,
Norte celestial, luz matutina,
Epílogo de eternos resplendores!
Flor, que aos mesmos anjos maravilhas,
Aplauda-te a harmonia mais sonora
Vendo, que só a Deus teu ser humilhas.
E diga Céu e Terra (ó bela Aurora)
Quem quiser ver de Deus as maravilhas,
Veja das maravilhas a Senhora.
Notícia bibliográfica
O poema de Soror Violante do Ceo encontra-se na obra Parnaso lusitano de divinos e humanos versos Vol I, 1733. Modernizei a ortografia.
Iconografia
Abre o artigo uma imagem da Virgem pintada no Perú colonial no século XVII-XVIII. Conhecidas como Escola de Cusco (antiga capital do império Inca), estas pinturas coloniais de assunto religioso Católico Romano, dão conta de uma fascinante simbiose entre imaginário popular e codificação erudita da doutrina católica através de uma linguagem pictórica de surpreendente originalidade. Revelando prodigioso domínio técnico, fazem tábua rasa das aquisições de representação praticadas na pintura europeia da época e desenvolvem-se num universo estético fechado, onde os assuntos sacros são por vezes contaminados pelo quotidiano profano como neste arcanjo com arcabuz com que encerro o artigo.
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