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Biblia Moralizada 1220-1230 folio 1 versoGuardam-se nos pergaminhos medievais preciosas iluminuras, verdadeiras obras-primas de impossível acesso directo e que só lentamente o progresso técnico de reprodução tem vindo a permitir conhecer.

Entre as imagens mais conhecidas encontra-se, talvez, a que abre o artigo: representação de Deus como criador do universo, mostrado enquanto arquitecto fixando a medida do mundo. Atendendo à legenda que encima a imagem, representa esta a passagem do Génesis 1, em que Deus criou o céu e a terra, o sol e a lua e todos os elementos.

A simbólica medieval é riquíssima e vai lentamente sendo estudada e compreendida. A utilização do círculo para representar o cosmos é antiga e nesta pintura a sua perfeição e harmonia conforma a irregularidade dos corpos materiais — terra, sol, nuvens e estrelas — e a sua mutabilidade, desenhados fazendo lembrar corpos vivos em actividade.

Na imagem, o acto de criação divina é um acto artístico, enfatizador da importância dos arquitectos e da arquitectura, numa época em que estes assumiam relevante importância na sociedade francesa enquanto criadores das catedrais góticas: construções pensadas na sua geometria espacial, para conduzir ao encontro de Deus, encaminhando o olhar, desde a entrada, para as alturas.

No propósito de transmitir mensagens complexas de doutrina, a arte gótica adoptou uma técnica de representação que embora separe o humano do divino, mantém este suficientemente próximo do mundo conhecido para permitir a sua assimilação sem ambiguidades.

Nestas preciosas obras de fruição na intimidade, até final do século XIII são sobretudo imagens de narrações bíblicas e colecções de cantos com iluminuras (saltérios) o que nestes pequenos pergaminhos até nós chegou. Mais tarde surgem as crónicas dos reinos, a de Carlos Magno no início do século XIV, os livros de horas com o seu calendário de devoções, e livros de utilidade, como o belíssimo livro da caça de Gaston Phoebus no início do século XV. O aparecimento da imprensa no final deste século XV, apesar da sua rápida divulgação num mundo em acelerada mudança, não pôs logo fim à produção destas obras-primas em pergaminho, e o século XVI ainda vê surgir algumas obras de grande beleza entre as quais a Genealogia do Infante D. Fernando de Portugal.