A par dos valores intrinsecamente plásticos na pintura de Pieter Brueguel o Velho (1525-1569), que nos encantam o olhar pelo movimento e colorido das cenas pintadas, existe um lado documental sobre aquele mundo do século XVI longe a vida da corte, que transforma a contemplação desta pintura num mergulho na história e vicissitudes da condição humana.
Escolho para hoje a ilustração da parábola dos cegos, que no terrível da sua representação nos compunge e empurra para a reflexão sobre o que nos nossos dias de semelhante existe.
Enquanto leitura metafórica, a pintura remete-nos para a cegueira com que cada homem caminha na vida, seguindo os outros e não buscando por si o seu caminho, num percurso em que o tropeçar nos erros e no desconhecido é inevitável. Esta cegueira metafórica, no contexto da época do pintor, é sobretudo moral e religiosa, a qual conduz à miséria da vida terrena.
O poeta norte-americano William Carlos Williams (1883-1963) reflectiu em poesia, num famoso livro de 1962, e prémio Pulitzer, Pictures from Brueghel and Other Poems, sobre esta obra. No final transcrevo o poema no original, The Parable of the Blind, desconhecendo se existe alguma versão portuguesa dele.
Agora alguns detalhes de tão fabuloso quadro.
The Parable of the Blind
This horrible but superb painting
the parable of the blind
without a red
in the composition shows a group
of beggars leading
each other diagonally downward
across the canvas
from one side
to stumble finally into a bog
where the picture
and the composition ends back
of which no seeing man
is represented the unshaven
features of the des-
titute with their few
pitiful possessions a basin
to wash in a peasant
cottage is seen and a church spire
the faces are raised
as toward the light
there is no detail extraneous
to the composition one
follows the others stick in
hand triumphant to disaster