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É numa linguagem de oráculo que Herberto Hélder (1930) nos dá a versão dum poema da Grécia arcaica, originário de Epiro, a que chamou O DESEJO.
Podemos escolher entre os versos e desdobrá-los de significados, e a cada leitura novas leituras se nos oferecem, nesta ansiedade de amor:
Se houvesse degraus na terra e tivesse anéis o céu, / eu subiria os degraus e aos anéis me prenderia.
Continuamos a leitura, e ouro, vermelho, maçã, são as palavras/imagens por onde o desejo se espraia.
Ler o poema é penetrar um pouco no mistério do desejo e na dificuldade da sua verbalização.
O DESEJO
(Canção)
Se houvesse degraus na terra e tivesse anéis o céu,
eu subiria os degraus e aos anéis me prenderia.
No céu podia tecer uma nuvem toda negra.
E que nevasse, e chovesse, e houvesse luz nas montanhas,
e à porta do meu amor o ouro se acumulasse.
Beijei uma boca vermelha e a minha boca tingiu-se,
levei um lenço à boca e o lenço fez-se vermelho.
Fui lavá-lo na ribeira e a água tornou-se rubra,
e a fímbria do mar, e o meio do mar,
e vermelhas se volveram as asas da águia
que desceu para beber,
e metade do sol e a lua inteira se tornaram vermelhas.
Maldito seja quem atirou uma maçã para o outro mundo.
Uma maçã, uma mantilha de ouro e uma espada de prata.
Correram os rapazes à procura da espada,
e as raparigas correram à procura da mantilha,
e correram, correram as crianças à procura da maçã.
Versão de Herberto Hélder, in Rosa do Mundo, 2001 poemas para o futuro.