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Involuntariamente, para cada um de nós o mundo começa quando nascemos. Daí para a frente é a nossa vida e o mundo fazê-mo-lo à imagem do que conhecemos. Para trás é historia e olha-mo-la com os instrumentos que fomos adquirindo.
Vivendo nós, hoje, num mundo de imagens, temos a maior dificuldade em recuar no tempo e imaginar as sociedades das quais os documentos visuais escasseiam.
Grande parte do meu prazer nos ócios é reunir peças para um puzzle que vou construindo na cabeça, pondo de pé os mundos fisicos, humanos e mentais que fizeram a realidade que encontrei ao nascer.
Das mulheres dum tempo anterior à fotografia nada sabemos. Ao ler poesia que enaltece a beleza da amada nunca saberemos se tal corresponde a uma realidade ou à distorção do amor.
Recuando no tempo a pintura é escassa mas existe para as estirpes reais. Feitas da mesma massa que o resto dos humanos, seriam tão belas ou feias como a generalidade das suas contemporâneas. Terão mudado as feições? Terão mudado os canones de beleza? Tenho para mim que apenas mudou a moda no vestir. Belas mulheres sempre existiram.
Restringindo o periodo que me ocupa hoje ao tempo das descobertas organizadas pelo Infante D Henrique no inicio de 1400 até à descoberta do Brasil, é ao acervo da pintura europeia do século XV que vou buscar imagens, belas imagens, de mulheres que viveram aquele período.
As não tão belas mulheres virão outro dia.
A identificação do pintor e retratada é feita no nome do ficheiro para não sobrecarregar o texto. Basta passar o cursor sobre a imagem e ele surge. Todas as imagens podem ser vistas em tamanho maior com click sobre a imagem no botão direito do rato.
Sendo a maioria das retratadas mulheres italianas, termino com uma das rimas de Petrarca (1304 – 1374), a 183, grosso modo um século mais velha que estas mulheres, e onde o poeta afirma:
Femina è cosa mobil per natura;
Rima 183
Se dela o doce olhar me mata aqui,
e as palavrinhas brandas de tal sorte,
e se Amor sobre mim a faz tão forte,
só quando fala ou só quando sorri,
ah! que será, se acaso ela por si,
por minha culpa ou por malvada sorte,
separa os olhos da mercê, e à morte,
lá onde me protege, então me fie?
Porém se tremo, e em coração gelado
vejo às vezes mudar sua figura,
medo é de antigas provas derivado.
Mulher é coisa móvel por natura;
onde eu sei bem que um amoroso estado
no peito dela pouco tempo dura.
Tradução de Vasco Graça Moura
Segue-se o original do soneto:
Se ‘l dolce sguardo di costei m’ancide,
e le soavi parolette accorte,
e s’Amor sopra me la fa si forte,
sol quando parla, o ver quando sorride,
lasso!, che fia, se forse ella divide,
o per mia colpa, o per malvagia sorte,
gli occhi suoi da mercé, si che di morte
là dove or m’assicura, allor mi sfide?
Però s’i’ tremo, e vo col cor gelato,
qualor veggio cangiata sua figura,
questo temer d’antiche prove è nato.
Femina è cosa mobil per natura;
ond’io so ben ch’un amoroso stato
in cor di donna picciol tempo dura.
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