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Agora que o Outono se despede, apenas um poema de Irene Lisboa (1892-1958).

 

Apetecia-me escrever um belo verso.

Sonoro, elegante, correcto, de mármore!

Nele pôr o que outros me inspirassem.

O que ali aquele poeta estava cantando.

Ele o cantava e eu o repetia.

Acrescentava, desdobrava, acrescia da minha ansiedade.

Mas verso bem feito!

Cheio do que se sonha, não do que se sente.

Parece-me pobre o que sinto.

E vulgar.

Estes olhos que sem querer se envidraçam, fúteis, sem recato, infantis, esta voz

   [insegura, enfim, tudo isto…

Que figura iriam fazer dentro de um verso elegante, lapidar?

Belo verso trair-te-iam, roubar-te-iam toda a graça e até a ressonância, o êxtase

[e aquela espécie de embalo que ao espírito sempre dás.

Mas sinceramente me apetecia escrever um verso de mármore belo!

Tudo, tudo por causa daquele poema…

 

 Poema publicado por Irene Lisboa em Outono havias de vir latente e triste, com o pseudónimo de João Falco, Lisbos, Seara Nova, 1937.