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Embora conhecido sobretudo pelas suas sátiras corrosivas e amiúde obscenas, Gregório de Matos (1633-1696), foi também poeta de reflexão.
Com a obra poética para além dos sonetos aguardando uma edição critica (ao que suponho) que separe a produção própria da de outros, nomeadamente Tomás Pinto Brandão, Gregório de Matos é um poeta mal-amado.
Temos hoje, como no passado, dificuldade em lidar com a obscenidade posta em letra de forma, ainda que, na maior parte dos casos, a realidade a que é aplicada não possua outra forma igualmente lapidar de se lhe referir.
Transcrevo nesta breve visita dois sonetos com o lado sério de Gregório de Matos.
Começo com este Carregado de mim ando no mundo, cujos primeiros versos em muitos de nós ganham por vezes intensa acutilância, e alguns há, com demasiada frequência.
Carregado de mim ando no mundo, / E o grande peso embarga-me as passadas / Que como ando por vias desusadas, / Faço crescer o peso, e vou-me ao fundo.
O resto do soneto vai pela mesma qualidade de inspiração.
Carregado de mim ando no mundo,
E o grande peso embarga-me as passada,
Que como ando por vias desusadas,
Faço crescer o peso, e vou-me ao fundo.
O remédio será seguir o imundo
Caminho onde dos mais vejo as pisadas,
Que as bestas juntas andam mais ornadas,
Do que anda só o engenho mais fecundo.
Não é facil viver entre os insanos,
Erra quem presumir que sabe tudo,
Se o atalho não soube dos seus danos.
O prudente varão há de ser mudo,
Que é melhor neste mundo, mar de enganos
Ser louco c’os demais, que só sisudo.
Na edição crítica dos Sonetos de Gregório de Matos preparada por Francisco Topa, estes encontram-se arrumados por temas.Temos sonetos Sacros e Morais onde se inclui o que transcrevi, Encomiásticos, Fúnebres, Amorosos, Satíricos e burlescos, e dois outros, num total de 217 sonetos recenseados e atribuídos formalmente ao poeta. É um corpus vasto de qualidade desigual onde se encontram algumas belas poesias.
Termino transcrevendo de entre os sonetos amorosos, um soneto-reflexão sobre o tempo da paixão e o sofrimento que ela trás:
Horas contando, numerando instantes,
Os sentidos à dor e à gloria atentos,
Cuidados cobro, acuso pensamentos,
Ligeiros à esperança, ao mal constantes.
Quem partes concordou tão dissonantes?
Quem sustentou tão vários sentimentos?
Pois para glória excedem de tormentos,
Para martírio ao bem são semelhantes.
O prazer com a pena se embaraça;
Porém quando um com outro mais porfia,
O gosto corre, a dor apenas passa.
Vai ao tempo alterando a fantasia,
Mas sempre com vantagem na desgraça,
Horas de inferno, instantes de alegria.
A poesia satírica e obscena fica para outra visita.