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W.B.Yeats — o amante diz da rosa no seu coração

09 Domingo Fev 2014

Posted by viciodapoesia in Poetas e Poemas

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W. B. Yeats

Rosa vermelha 500pxA rosa como imagem condensada do belo, do harmonioso, do desejável, surge aqui e ali na obra de W.B.Yeats (1865-1939):

 

A rosa do mundo

 

Quem sonhou que a beleza passa como um sonho?

Por estes lábios vermelhos, com todo o seu magoado orgulho,

Tão magoados que nem o prodígio os pode alcançar,

Tróia desvaneceu-se em alta chama fúnebre,

E morreram os filhos de Usna.

 

Nós passamos e passa o trabalho do mundo:

Entre humanas almas, que se agitam e quebram

Como as pálidas águas em seu fluxo invernal,

Sob as estrelas que passam, sob a espuma do céu,

Vive este solitário rosto.

 

Inclinai-vos, arcanjos, em vossa incerta morada:

Antes de vós, ou de qualquer palpitante coração,

Fatigado e gentil alguém esperava junto ao seu trono;

Ele fez do mundo um caminho de erva

Para os seus errantes pés.

 

Na complexidade mítica da sua poesia, estes poemas em que da rosa se fala, ainda que dedicados a Maud Gonne ou sobre a sua pessoa escritos, são também evocações da Irlanda, sugerindo esse intenso amor pela mulher que o recusa, e pela terra cuja independência política ela combativamente defende, qual o poema A rosa na cruz do tempo que a seguir transcrevo.

 

A rosa na cruz do tempo

 

Rosa vermelha, Rosa altiva, triste Rosa dos meus dias!

Aproxima-te, vem até mim, enquanto de outrora os tempos canto:

O de Cuchulain, em luta com a maré inclemente;

O do Druida sombrio, filho dos bosques, de olhos calmos,

Esse que alimentou os sonhos de Fergus e a indizível ruína;

É a tua tristeza o que antiquíssimas estrelas

Dançando com sandálias de prata sobre o mar,

Cantam em sua alta e solitária melodia.

Aproxima-te pois, agora que já não me cega o destino do homem,

E posso encontrar sob os ramos do amor e do ódio,

E nas mais simples coisas que vivem apenas um dia,

A eterna beleza errante, errando ainda.

 

Aproxima-te, vem até mim, vem — Ah, deixa-me algum espaço

Que de seu hálito a rosa encha!

Que não seja eu quem não ouve o que implora;

O verme indefeso e oculto em seu pequeno esconderijo,

A ratazana que entre as ervas de mim foge,

E a terrível esperança mortal que labuta e morre;

Que seja eu quem ouve as estranhas coisas ditas

Por Deus aos luminosos corações dos mortos antigos,

E aprende essa língua que os homens ignoram.

Vem até mim; antes de partir queria o

Velho Eire cantar e cantar de outrora os tempos:

Rosa vermelha, Rosa altiva, triste Rosa dos meus dias.

 

E nesta curta visita à obra de W.B.Yeats, termino com o poema O amante diz da rosa no seu coração, que terá sido dedicado pelo poeta a Maud Gonne, paixão a quem por três vezes, sem sucesso,  propôs casamento, segundo rezam as crónicas biográficas, e é um intemporal poema de amor onde se diz como

Tudo quanto é feio, destruído, todas as coisas gastas, velhas,

…

Maculam a tua imagem que engendra uma rosa no fundo do meu coração.

 

O amante diz da rosa no seu coração

 

Tudo quanto é feio, destruído, todas as coisas gastas, velhas,

O grito de uma criança à beira do caminho, o rangido de uma carroça que se arrasta,

O pesado andar do lavrador, passo a passo sobre o limo invernal,

Maculam a tua imagem que engendra uma rosa no fundo do meu coração.

 

Tão grande é a mácula das coisas torpes que não pode ser descrita;

A minha ânsia é tudo reconstruir e sentar-me num verde outeiro solitário,

Com a terra, o céu, a água renovados, como um cofre de ouro

Para os meus sonhos da tua imagem que floresce numa rosa tão profundamente no meu coração.

 

A tradução dos poemas é do poeta José Agostinho Baptista.

 

Nota sobre a foto

A foto integra um portfólio — Terra Floret — que em tempos reuni, e do qual, a espaços, divulguei algumas fotos no blog, e talvez um dia me decida à sua publicação.

Carlos Mendonça Lopes

 

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Quando fores velha — entre W. B. Yeats e Pierre Ronsard

09 Segunda-feira Dez 2013

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poesia Antiga, Poetas e Poemas

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James McNeill Whistler, Pierre Ronsard, W. B. Yeats

Whistler - retrato da mãe do pintorMuitos amaram os momentos de teu alegre encanto, / Muitos amaram essa beleza com falso ou sincero amor, / Mas apenas um homem amou … as mágoas do teu rosto que mudava;

É um magoado apaixonado quem assim fala, lembrando o efeito do passar do tempo no contraponto com a constância do seu amor.

São versos do poema When You Are Old de William Butler Yeats (1865-1939) em tradução do poeta José Agostinho Baptista, que a seguir transcrevo na totalidade.

 

Quando Fores Velha

 

Quando fores velha, grisalha, vencida pelo sono,

Dormitando junto à lareira, toma este livro,

Lê-o devagar, e sonha com o doce olhar

Que outrora tiveram teus olhos, e com as suas sombras profundas;

 

Muitos amaram os momentos de teu alegre encanto,

Muitos amaram essa beleza com falso ou sincero amor,

Mas apenas um homem amou tua alma peregrina,

E amou as mágoas do teu rosto que mudava;

 

Inclinada sobre o ferro incandescente,

Murmura, com alguma tristeza, como o Amor te abandonou

E em largos passos galgou as montanhas

Escondendo o rosto numa imensidão de estrelas.

 

When You Are Old

 

When you are old and grey and full of sleep,

And nodding by the fire, take down this book,

And slowly read, and dream of the soft look

Your eyes had once, and of their shadows deep;

 

How many loved your moments of glad grace,

And loved your beauty with love false or true,

But one man loved the pilgrim soul in you,

And loved the sorrows of your changing face;

 

And bending down beside the glowing bars,

Murmur, a little sadly, how Love fled

And paced upon the mountains overhead

And hid his face amid a crowd of stars.

Este poema de Yeats reelabora o assunto de um dos sonetos a Helena escritos por Píerre Ronsard (1524-1585).

O conjunto desta pouco mais de centena de poemas de Ronsard à amada(?) Helena (Hélène de Surgères) é um universo de grande densidade erótica, afastado do mundo poético de Yeats, onde talvez o único ponto de contacto seja este mesmo escrito para a memória de uma paixão desdenhada.O assunto pedido de empréstimo por Yeats a Ronsard consta do soneto 24 a Helena:

 

 

Soneto 24 a Helena

 

Quando fordes bem velha ao serão, à candela,

sentada ao pé do lume a dobar, e fiando,

cantando versos meus, direis maravilhando:

“celebrou-me Ronsard no tempo em que fui bela.”

 

Nem criada tereis que acaso ouvindo ela

tal nova, em seus afãs  já quase dormitando,

de o meu nome soar não esperte, abençoando

vosso nome em louvor que eterno se revela.

 

Em terra eu estarei, fantasma já sem osso,

entre mirtos e sombra a repousar num fosso;

vós sereis à lareira, idosa e encolhida,

 

chorando o meu amor e o vosso vão desdém

pois, crede-me, vivei sem ver se amanhã vem:

colhei desde hoje mesmo as rosas desta vida.

 

Original

 

Quand vous serez bien vieille, au soir à la chandelle,

Assise auprès du feu, dévidant et filant,

Direz chantant mes vers, en vous émerveillant :

« Ronsard me célébrait du temps que j’étais belle.»

 

Lors vous n’aurez servante oyant telle nouvelle,

Déjà sous le labeur à demi sommeillant,

Qui au bruit de mon nom ne s’aille réveillant,

Bénissant votre nom de louange immortelle.

 

Je serai sous la terre, et fantôme sans os

Par les ombres myrteux je prendrai mon repos;

Vous serez au foyer une vieille accroupie,

 

Regrettant mon amour et votre fier dédain.

Vivez, si m’en croyez, n’attendez à demain:

Cueilllez dès aujourd’hui les roses de la vie.

 

A história oficial destes talvez platónicos amores de um Ronsard com mais de cinquenta anos por uma Hélène de Surgères vinte e alguns anos mais nova, deixa muito a desejar, quando pretende que a letra dos poemas .é apenas retórica, embora, diga-se, estejam escritos como presente, dando conta de um desejo, e não como passado, qual em poemas de Amores acontece, relatando o acontecido. Vamos então ao soneto à Helena amante(?):

Beija-me, minha amante, beija-me mais, estreita-

me, bafo contra bafo, e aquece-me esta vida,

dá-me assim beijos mil e mais mil de seguida,

amor quer tudo inúmero, amor leis não aceita.

 

Beija e beija outra vez, ó boca tão perfeita,

porque te hás-de guardar, sendo em livor jazida,

pra beijar (de Plutão a dama ou a válida)

sem coração, nem já imagem que deleita?

 

De teus beiços de rosa em vida me cobrindo,

balbucia a beijar-me, a boca entreabrindo,

mil sons a entrecortar, morrendo entre meus braços.

 

Eu morrerei nos teus, e, tu ressuscitada,

eu ressuscitarei, juntemos nossos passos:

o dia mesmo curto é mais do que a noitada.

 

Original

 

Maîtresse, embrasse-moi, baise-moi, serre-moi,

Haleine contre haleine, échauffe-moi la vie,

Mille et mille baisers donne-moi je te prie,

Amour veut tout sans nombre, amour n’a point de loi.

 

Baise et rebaise-moi ; belle bouche pourquoi

Te gardes-tu là-bas, quand tu seras blêmie,

A baiser (de Pluton ou la femme ou l’amie),

N’ayant plus ni couleur, ni rien semblable à toi ?

 

En vivant presse-moi de tes lèvres de roses,

Bégaie, en me baisant, à lèvres demi-closes

Mille mots tronçonnés, mourant entre mes bras.

 

Je mourrai dans les tiens, puis, toi ressuscitée,

Je ressusciterai ; allons ainsi là-bas,

Le jour, tant soit-il court, vaut mieux que la nuitée.

Ainda uma breve nota sobre as explícitas referências clássicas no soneto 24: à ode I-XI de Horácio conhecida por Carpe diem —… vivei sem ver se amanhã vem: / colhei desde hoje mesmo as rosas desta vida.—; e ao carme  V de Catulo —… beijos mil e mais mil…—.

As versões rimadas dos sonetos de Ronsard são do poeta Vasco Graça Moura.

 

A pintura que abre o artigo, de James McNeill Whistler (1834-1903), interessa-me não tanto por figurar a mãe do pintor, mas sobretudo pela forma com faz uma certa leitura da velhice: o vasto negrume que envolve uma imobilidade talvez doente, num físico que a vida secou. É um quadro onde alguma harmonia na forma convive com uma desolada serenidade de onde a alegria partiu, e nessa medida dá uma velhice possivel.

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