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A rosa como imagem condensada do belo, do harmonioso, do desejável, surge aqui e ali na obra de W.B.Yeats (1865-1939):
A rosa do mundo
Quem sonhou que a beleza passa como um sonho?
Por estes lábios vermelhos, com todo o seu magoado orgulho,
Tão magoados que nem o prodígio os pode alcançar,
Tróia desvaneceu-se em alta chama fúnebre,
E morreram os filhos de Usna.
Nós passamos e passa o trabalho do mundo:
Entre humanas almas, que se agitam e quebram
Como as pálidas águas em seu fluxo invernal,
Sob as estrelas que passam, sob a espuma do céu,
Vive este solitário rosto.
Inclinai-vos, arcanjos, em vossa incerta morada:
Antes de vós, ou de qualquer palpitante coração,
Fatigado e gentil alguém esperava junto ao seu trono;
Ele fez do mundo um caminho de erva
Para os seus errantes pés.
Na complexidade mítica da sua poesia, estes poemas em que da rosa se fala, ainda que dedicados a Maud Gonne ou sobre a sua pessoa escritos, são também evocações da Irlanda, sugerindo esse intenso amor pela mulher que o recusa, e pela terra cuja independência política ela combativamente defende, qual o poema A rosa na cruz do tempo que a seguir transcrevo.
A rosa na cruz do tempo
Rosa vermelha, Rosa altiva, triste Rosa dos meus dias!
Aproxima-te, vem até mim, enquanto de outrora os tempos canto:
O de Cuchulain, em luta com a maré inclemente;
O do Druida sombrio, filho dos bosques, de olhos calmos,
Esse que alimentou os sonhos de Fergus e a indizível ruína;
É a tua tristeza o que antiquíssimas estrelas
Dançando com sandálias de prata sobre o mar,
Cantam em sua alta e solitária melodia.
Aproxima-te pois, agora que já não me cega o destino do homem,
E posso encontrar sob os ramos do amor e do ódio,
E nas mais simples coisas que vivem apenas um dia,
A eterna beleza errante, errando ainda.
Aproxima-te, vem até mim, vem — Ah, deixa-me algum espaço
Que de seu hálito a rosa encha!
Que não seja eu quem não ouve o que implora;
O verme indefeso e oculto em seu pequeno esconderijo,
A ratazana que entre as ervas de mim foge,
E a terrível esperança mortal que labuta e morre;
Que seja eu quem ouve as estranhas coisas ditas
Por Deus aos luminosos corações dos mortos antigos,
E aprende essa língua que os homens ignoram.
Vem até mim; antes de partir queria o
Velho Eire cantar e cantar de outrora os tempos:
Rosa vermelha, Rosa altiva, triste Rosa dos meus dias.
E nesta curta visita à obra de W.B.Yeats, termino com o poema O amante diz da rosa no seu coração, que terá sido dedicado pelo poeta a Maud Gonne, paixão a quem por três vezes, sem sucesso, propôs casamento, segundo rezam as crónicas biográficas, e é um intemporal poema de amor onde se diz como
Tudo quanto é feio, destruído, todas as coisas gastas, velhas,
…
Maculam a tua imagem que engendra uma rosa no fundo do meu coração.
O amante diz da rosa no seu coração
Tudo quanto é feio, destruído, todas as coisas gastas, velhas,
O grito de uma criança à beira do caminho, o rangido de uma carroça que se arrasta,
O pesado andar do lavrador, passo a passo sobre o limo invernal,
Maculam a tua imagem que engendra uma rosa no fundo do meu coração.
Tão grande é a mácula das coisas torpes que não pode ser descrita;
A minha ânsia é tudo reconstruir e sentar-me num verde outeiro solitário,
Com a terra, o céu, a água renovados, como um cofre de ouro
Para os meus sonhos da tua imagem que floresce numa rosa tão profundamente no meu coração.
A tradução dos poemas é do poeta José Agostinho Baptista.
Nota sobre a foto
A foto integra um portfólio — Terra Floret — que em tempos reuni, e do qual, a espaços, divulguei algumas fotos no blog, e talvez um dia me decida à sua publicação.
Carlos Mendonça Lopes