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Fernando Pessoa — algumas meditações sobre o existir

16 Quinta-feira Out 2014

Posted by viciodapoesia in Poetas e Poemas

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Camões, Fernando Pessoa, Sá de Miranda

carlosmfernandes - Oleo 078 - 2004 - óleo sobre tela 80x80cmA dolorosa meditação do eu na poesia de Fernando Pessoa atinge frequentemente o sublime:

 

Cai amplo o frio e eu durmo na tardança

De adormecer —

Sou, sem lar, nem conforto, nem esperança,

Nem desejo de os ter.

 

E um choro por meu ser me inunda

A imaginação.

Saudade vaga, anónima, profunda,

Náusea da indecisão.

 

Frio do inverno duro, não se tira

Agasalho ou amor.

Dentro em meus ossos teu tremor delira.

Cessa, seja eu quem for!

19-01-1931

 

Questionando a verdade interior do eu na duplicidade do agir, ao ler esta poesia é sempre uma interrogação de nós o que fazemos, ou não fora, como o poeta escreveu, … quem lê versos lê só a própria alma… (17-03-1931).

 

As coisas que errei na vida

São as que acharei na morte,

Porque a vida é dividida

Entre quem sou e a sorte.

 

As coisas que a Sorte deu

Levou-as ela consigo,

Mas as coisas que sou eu

Guardei-as todas comigo.

 

E por isso os erros meus,

Sendo a má sorte que tive,

Terei que os buscar nos céus

Quando a morte tire os véus

À inconsciência em que estive.

21-08-1934

 

Por último, um poema menos perfeito (última quadra) e onde os versos

Falhei a tudo, mas sem galhardias, / Nada fui, nada ousei e nada fiz,

 

remetem para as reflexões de Tabacaria (15-01-1928):

Falhei em tudo. / Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada. /…

 

Este poema de 02-07-1931 afasta-se da interrogação em Tabacaria (aquele talvez) e desenvolve reflexões pela afirmativa onde os belíssimos versos:

…

Nem colhi nas urtigas dos meus dias, / A flor de parecer feliz.

…

espelham a dualidade do ser e do parecer com as imagens do amargo dos dias referidos como urtigas, e a felicidade simulada, pela flor de parecer feliz.

 

Bem, hoje que estou só e posso ver

Com o poder de ver do coração

Quanto não sou, quanto não posso ser,

Quanto, se o for, serei em vão.

 

Hoje, vou confessar, quero sentir-me

Definitivamente ser ninguém,

E de mim mesmo, altivo, demitir-me

Por não ter procedido bem.

 

Falhei a tudo, mas sem galhardias,

Nada fui, nada ousei e nada fiz,

Nem colhi nas urtigas dos meus dias,

A flor de parecer feliz.

 

Mas fica sempre, porque o pobre é rico

Em própria casa, se procurar bem,

A grande indiferença com que fico

É um sonho… Leve-o quem o trate bem.

02-07-1931

 

Em nota final, refiro quanto o verso de abertura do poema inicial

Cai amplo o frio e eu durmo na tardança / …

me ecoa, apesar da variação na abordagem, o soneto de Sá de Miranda

 

O sol é grande, caem co’a calma as aves / …

 

e outro dia transcreverei.

 

No segundo poema de Pessoa, o verso As coisas que errei na vida / …, leva-me direitinho para o soneto de Camões:

Erros meus, má fortuna, amor ardente / Em minha perdição se conjuraram / …

E assim, neste deambular poético lá vou para o multifacetado da vida, na variedade das reflexões que a poesia induz.

Seria matéria de vasta prosa perambular pelas afinidade e oposições entre estes quatro poemas, o que não cabe no formato do blog, obviamente.

 

Poemas transcritos de Fernando Pessoa, Poesia 1931-1935, edição de Manuela Parreira da Silva ed al., Assírio & Alvim, Lisboa, Julho 2006.

Abre o artigo a imagem de uma pintura (óleo s/tela) que fiz pelo ano de 2004.

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