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Já aqui escrevi da surpresa e admiração pela poesia de Manuel de Freitas (1972), excepção na poesia mimética que hoje por Portugal se escreve. Quando lancei um olhar abrangente sobre a sua poesia, ficou de fora o livro GAME OVER. A ele vou hoje buscar um poema de amor, que no meu desconhecimento supus, o poeta não escreveria.
IN VAIN THE AM’ROUS FLUTE
Estas escadas tinham degraus
onde por acaso nos sentámos
à espera de não ver gaivotas,
com livros abertos
quando as mãos chegavam.
De novo e despercebida e só,
acendia-se para morrer na tarde
a inútil figuração do desejo.
E éramos outra vez nós
os seus irrepetíveis figurantes,
escondidos num poema
que o tempo pisou, deixa lá
– o recomeçado amor descendo.
Nota talvez desnecessária
O título do poema remete para a Ode para o dia de Santa Cecília de 1692, Hail, bright Cecilia! Z 328, de Henry Purcell (1659-1695), onde se encontra a parte para dois tenores “In vain the am´rous flute and soft guitar”.
Vale a pena sentir o poema ganhar uma especial emoção e harmonia ao ouvi-la. A ardência do desejo no pudor da linguagem sobressai se se souber o que na ária se canta:
In vain the am´rous flute and soft guitar
Jointly labour to inspire
Wanton heat and loose desire
Whilst thy chaste airs do gently move
Seraphic flames and heav’nly love.
A fotografia que abre o artigo não evoca nada. Apenas o calor da luz sobre a desolação me fez escolhê-la.
Noticia bibliográfica
GAME OVER foi publicado por &etc em 2002, com capa de Luis Manuel Gaspar, paginação e composição de Olímpio Ferreira.