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Meio-Dia de Gabriele D’Annunzio com pintura de Georges Seurat

29 Domingo Jul 2012

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poesia Antiga

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Gabriele D'Annunzio, Georges Seurat

Depois de Hesíodo, nos próximos tempos, mas com incerta cadência, vão aparecer alguns poemas numa espécie de elegia para o verão: sentimentos, lugares e acontecimentos com o Verão num papel de protagonista. Hoje é o poema Meio-Dia de Gabriele D’Annunzio (1863-1938) onde uma intensa comunhão com a natureza se vive.

Meio-Dia

No seu auge o dia.
Sobre o mar etrusco
paira um verde pálido
como o dessepulto
bronze das estátuas.
Tudo tão tranquilo
que à roda não vibra
nem da brisa o hálito;
sequer um arbusto
se move na áspera,
solitária praia.

Bonança, calor,
em tudo silêncio.
O Verão, maduro,
cobre-me a cabeça,
como sendo um fruto
que a mim me pertença,
e colher eu deva
com a minha mão,
e sugar eu deva
com a minha boca.
Nem um só vestígio
de humana presença.
Nada que se ouça,
se me ponho à escuta.
Longe a dor dos homens.
Nem já tenho nome.
Sinto que o meu rosto
se doura de um ouro
que é meridiano;
e que a minha loura
barba já reluz
como a própria areia.
Mesmo o delicado
desenho da onda
na orla da praia
me está no palato,
na palma da mão
regendo-me o tacto.
Toda a minha força
na areia se expande,
no mar se difunde:
minha veia, o rio;
minha fronte, o monte;
o bosque, o meu púbis;
meu suor, a nuvem.
E vivo na flor
de esteva das dunas,
nas pinhas, nos bagos
dos juncos; nas algas,
na flora marinha;
nas coisas exíguas,
nas coisas imensas;
na areia contínua,
de cumes longínquos.
Só ardo e rebrilho.
E nem tenho nome.
Montanhas e ilhas,
bosques e baías
perderam os nomes
que outrora lhes dei
ou tinham outrora
em lábios humanos.
E eu próprio sem nome
nem destino humano:
já só Meio-Dia
agora me chamo.
Vivo em tudo, tácito,
tal e qual a Morte.

Toda a minha vida
se tornou divina.

Tradução de David Mourão-Ferreira

Acompanha o poema a pintura solar de Georges Seurat (1859-1891), génio de curta vida que no espaço de nove anos (1882-1891) produziu um conjunto de pinturas imperecíveis, onde a alegria do mundo se exprime.
Inventor da técnica pontilhista, com um absoluto domínio cientifico da teoria das cores, é a sobreposição de pontos de cores puras a responsável pela textura e efeito das suas pinturas resplandecendo modernidade.

Depois deste conjunto explorando as possibilidades do contraste em diagonal no preenchimento da superfície pictórica, escolhi este segundo grupo onde a horizontal na definição da paisagem surge no seu potencial pictórico.

Termino dando conta, em complemento da pintura inicial, da evolução da técnica aplicada à figura humana.

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As Mulheres – versão de Gabriele D’Annunzio

12 Quinta-feira Jul 2012

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poesia Antiga

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Botticelli, Gabriele D'Annunzio

Depois de tão longa ausência, regresso com As Mulheres, fonte de tanta da nossa alegria, contadas pela poesia de Gabriele D’Annunzio (1863-1938).

Serenas, alumiadas, tão frágeis, outras reacendendo-se de amor até à medula, de todas nos fala o poema, E maravilhosamente / eu as conheci.
(ao lembrá-lo ainda as veias me tremem de ternura) diz-se no poema com que esta evocação inominada termina.

As Mulheres

Houve mulheres serenas,
de olhos claros, infinitas
no seu silêncio,
como largas planícies
onde um rio ondeia;
houve mulheres alumiadas
de ouro, émulas do Estio
e do incêndio,
semelhantes a searas
luxuriantes
que a foice não tocou
nem o fogo devora,
sequer o dos astros sob um céu
inclemente;
houve mulheres tão frágeis
que uma só palavra
as tornava escravas,
como no bojo de uma taça
emborcada
se aprisiona uma abelha;
outras houve, de mãos incolores,
que todo o excesso extinguiam
sem rumor;
outras, de mãos subtis
e ágeis, cujo lento
passatempo
era o de insinuar-se entre as veias,
dividindo-as em fios de meada
e tingindo-as de azul marinho;
outras, pálidas, cansadas,
devastadas pelos beijos,
mas reacendendo-se de amor
até à medula,
com o rosto em chamas
entre os cabelos oculto,
as narinas como
asas inquietas,
os lábios como
palavras de festa,
as pálpebras como
violetas.
E houve outras ainda.
E maravilhosamente
eu as conheci.

Depois desta evocação passemos à memória de um especial encontro relatado nesta primeira elegia romana:

[Da Primeira Elegia Romana]

Quando (ao lembrá-lo ainda as veias me tremem de ternura)
meio ébrio saí de sua casa amada,

através de ruas efervescentes dos últimos labores do dia,
de rumores, carruagens, roucos gritos,

súbito senti, do fundo peito, toda a alma elevar-se,
cupidamente, e no alto vi, sobre os estreitos muros,

romper a ígnea zona por onde o crepúsculo do Outono,
céu húmido e vastas nuvens, incendiava Roma.

Nem da hora nem dos lugares me sentia consciente. Seria
um sonho falaz a possuir-me? Ou todas minhas cônscias

alegrias eram coisas a produzir em torno um insólito lume?
Não o sabia. Mas todas as coisas produziam lume.

Imóveis, ardiam as nuvens, e, qual sangue de monstros
assassinados, de seus flancos rompam rubros rios.

Abre o artigo com uma reprodução de O nascimento de Vénus de Sandro Botticelli (1445-1510), êxtase primeiro de uma remota visita em 1978 à Galeria Uffizi em Florença.

A pretexto, ou provocado por ela, escreveu Jorge de Sena os Quatro sonetos a Afrodite Anadiómena publicados a fechar o livro Metamorfoses (Lisboa, 1963) e que convido o leitor a procurar.

Termino o artigo com 2 detalhes desta deslumbrante pintura:

Primeiro a personificação de Vénus (ou Afrodite para os Gregos), a deusa do amor,

depois o par  Zéfiro e Aura soprando a suave brisa que empurra para terra a deusa e a faz reinar entre os homens.

Noticia bibliográfica

Os poemas de Gabriele D’Annunzio (1863-1938) são traduções de David Mourão-Ferreira, publicados no volume III de Vozes da Poesia Europeia, Colóquio Letras nº165.

Sobre a vida e a obra de Sandro Botticelli, continua sem rival o estudo de Ronald Lightbown, publicado pela primeira vez em 1978 e sucessivamente reeditado, possuindo algumas das edições luxuoso complemento fotográfico.

Este Nascimento de Vénus possui 172,5 x 278,5 cm e terá sido pintado entre 1484-86.

 

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