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Comemorar Camões é ler-lhe a poesia, fazê-la nossa, brincar com ela.
Passam hoje 440 anos sobre a sua morte, e o poeta continua vivo, na nossa companhia, permitindo-nos o prazer quase quotidiano da sua poesia.
É de Almada Negreiros, esse português sem mestre como Augusto-França lhe chamou, que me socorro para assinalar a data.
No tom brincado que é ás vezes o seu, aqui temos a aventura de Camões e da poesia em Portugal.
LUÍS, O POETA
SALVA A NADO O POEMA
Era uma vez / um português / de Portugal.
O nome Luis / há-de bastar / toda a nação / ouviu falar.
Estala a guerra / e Portugal / chama Luis / para embarcar.
Na guerra andou / a guerrear / e perde um olho / por Portugal.
Livre da morte / pôs-se a contar / o que sabia / de Portugal.
Dias e dias / grande pensar / juntou Luis / a recordar.
Ficou um livro / ao terminar / muito importante / para estudar.
Ia num barco / ia no mar / e a tormenta / vá d’estalar.
Mais do que a vida / há-de guardar /o barco a pique / Luis a nadar.
Fora da água / um braço no ar / na mão o livro / há-de salvar.
Nada que nada / sempre a nadar / livro perdido / no alto mar.
– Mar ignorante / que queres roubar? / a minha vida / ou este cantar?
A vida é minha / ta posso dar / mas este livro / há-de ficar.
Estas palavras / hão de durar / por minha vida / quero jurar.
Tira-me as forças / podes matar / a minha alma / sabe voar.
Sou português / de Portugal / depois de morto / não vou mudar.
Sou português / de Portugal / acaba a vida / e sigo igual.
Meu corpo é Terra / de Portugal / e morto é ilha / no alto mar.
Há portugueses /a navegar / por sobre as ondas / me hão-de achar.
A vida morta / aqui a boiar / mas não o livro / se há-de molhar.
Estas palavras / vão alegrar / a minha gente / de um só pensar.
À nossa terra / irão parar / lá toda a gente / há-de gostar.
Só uma coisa / vão olvidar: / o seu autor / aqui a nadar.
É fado nosso / é nacional / não há portugueses / há Portugal.
Saudades tenho / mil e sem par / saudade é vida / sem se lograr.
A minha vida / vai acabar / mas estes versos / hão-de gravar.
O livro é este / é este o cantar / assim se pensa / em Portugal.
Depois de pronto / faltava dar / a minha vida / para o salvar.
Escrito em Madrid. Dezembro de 1931.
Como é sabido, a poesia lírica de Camões não foi publicada em livro em vida do autor, a menos de poucas peças incluídas em obras de terceiros, nem são conhecidos manuscritos autógrafos dos poemas.
Corre a lenda a partir de palavras de Diogo do Couto na Década VIII, que enquanto o poeta preparava Os Lusídas para edição, “foi escrevendo muito em um livro que ia fazendo, que intitulava Parnaso de Luis de Camões, livro que lhe furtaram e nunca pude saber no reino dela, por muito que inquiri, e foi furto notável …”.
Tal Parnaso … nunca foi encontrado. Os poemas circulavam de mão em mão e quando em 1595, 15 anos após a morte do poeta, Manuel de Lima preparou a 1ªedição das Rhythmas de Luís de Camões para o editor Estêvão Lopes, na ausência de manuscritos autógrafos, os editores socorreram-se das cópias que circulavam, sem segura atribuição de proveniência. Esta edição contemplou os poemas que à data conseguiram reunir.
A 2ªedição 3 anos depois, em 1598, acrescentou 63 novas composições e suprimiu 3. Uma 3ª edição em 1616 incluiu novas peças.
Na 4ª edição das Rimas em 1668 voltam a ser acrescentadas 60 obras poéticas de diversos géneros.
Faria e Sousa, em edição póstuma (1685-1689), acrescentou ao que era tomado pelo cânone da Lírica de Camões, 76 novas poesias. A novidade desta edição prende-se com o circunstanciado comentário que acompanha cada poesia, fazendo da obra, ainda hoje, uma aliciante experiência de leitura.
A admiração apaixonada de Faria e Sousa pela obra de Camões, levou-o a reconhecidos exageros de atribuição de autoria com o caso mais notável de erro em relação a Diogo Bernardes.
Não pararam aqui os acréscimos à obra do poeta.
A chamada edição Jorumenha no séc. XIX (1860-1869) duzentos anos depois da edição Faria e Sousa, traz mais 50 sonetos e 52 peças de géneros diversos.
A este conjunto sobre o qual se debruçam os especialistas questionando a autoria de algumas poesias, porque anteriormente publicadas em nome de outros, ou com características de estilo não atribuíveis a Camões, acrescentou-se o conhecimento público em 1922 do que é conhecido como Cancioneiro Fernandes Tomás, ainda hoje por estudar aprofundadamente e onde abundam composições atribuídas expressamente a Camões. Outros Cancioneiros têm sido entretanto estudados ao sabor das curiosidades e estratégias pessoais dos investigadores.
Passaram mais de 4 séculos sobre a morte de Luís de Camões e hoje está ainda longe de existir qualquer edição da Lírica que possa ser tomada como canónica. É uma vergonha que o país, para o seu poeta nacional, não tenha encontrado os meios, as vontades e recursos, para fixar de forma incontroversa o conjunto da obra do poeta, e que até hoje ninguém tenha conhecido e estudado tão profundamente a obra de Camões como Faria e Sousa no século XVII.
Que panorama triste para situação da obra do poeta com quem Portugal se comemora.
Algumas edições da Lírica surgiram ao longo de século XX. Nenhuma compulsou com critérios legitimados, a obra conhecida e as criações dispersas pelos Cancioneiros de mão que dormem nas bibliotecas do mundo, com vista a apurar o que é de Camões, o que não é de Camões e o que talvez seja.
Para o curioso leitor, em minha opinião de apaixonado pela Lírica camoneana, a mais proba das edições com grafia modernizada, é a LÍRICA COMPLETA DE LUÍS DE CAMÕES, em 3 volumes, publicada em 1980/81 pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda e preparada por Maria de Lurdes Saraiva.
É uma edição inclusiva onde se publica tudo o que alguma vez foi atribuído a Camões, com excepções mínimas justificadas em prefácio. O conjunto vem separado e anotado entre o que tem sido considerado de autoria genuína, e aqueles poemas cuja autoria tem sido controvertida, independentemente da opinião da organizadora, deixando esta em notas circunstanciadas as suas opiniões.
Esta edição apresenta pela primeira vez uma tentativa de organização cronológica das poesias, agrupadas estas por géneros líricos.
A edição estará provavelmente esgotada, como é costume, mas como teve tiragem elevada (10.000ex.) é talvez facil ao interessado encontrá-la em alfarrabista por módica quantia.