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Ambrósio, tenho um desejo de poesia! com poema de Camilo Pessanha

25 Segunda-feira Nov 2013

Posted by viciodapoesia in Crónicas, Poetas e Poemas

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Camilo Pessanha

A publicidade contamina-nos a imaginação e anúncios há que à força de os ouvir repetidamente acabam por nos soar na cabeça sem pretexto. Foi o caso de um popular e quase eterno anúncio de televisão a chocolates e que deu o mote a este post. Era um anúncio aos bombons Ferrero Rocher e durante anos passou na televisão por alturas do Natal.

Para os leitores do Brasil onde não sei se o anúncio é ou foi visto, descrevo sucinta e aproximadamente o que dele retive.

Num grande plano, um Rolls-Royce ou semelhante, e um motorista vestido a rigor. No banco de trás uma bela balzaquiana sentada diz languidamente para o motorista: Ambrósio, tenho um desejo de requinte, ou algo parecido. O motorista virando-se ligeiramente no banco da frente onde conduz estende-lhe uma caixa de chocolates.

É esta a fonte para a prosa que anos vai escrevi aqui e a seguir recordo aos novos leitores do blog.

– Ambrósio, tenho um desejo de poesia! clamava a condessa, lânguida, reclinada no banco de trás do carro em que seguiam.

Ambrósio, mordomo/chauffeur para todo o serviço, começa a declamar “A porra do Soriano”

– Essa não, essa não!

– Mas senhora, vós costumais apreciar bastante o assunto.

– Sim, mas apetece-me algo mais requintado. Que tens para me oferecer?

Ambrósio, fazendo-se desentendido:

– Talvez Tabacaria?

(Come chocolates pequena;

Come chocolates!

Olha que não há mais metafisica no mundo senão chocolates

…

– Que horror Ambrósio, logo Álvaro de Campos! Não, não, já me bastam os Ferrero Rocher. Procura qualquer coisa de gosto mais delicado, talvez oriental…

– Será que madame aprecia Camilo Pessanha?

– Não sei, não conheço. Diz lá:

DESEJOS

Se medito no gozo que promette

A sua boca fresca e pequenina

E o seio mergulhado em renda fina,

Sob a curva ligeira do corpete,


Desejo nun’s transportes de gigante,

Estreitál-a de rijo entre meus braços,

Até quasi esmagar n’estes abraços

A sua carne branca e palpitante;


Como, d’Asia nos bosques tropicaes,

Apertam em spiral auri-luzente,

Os musculos herculeos da serpente

Aos troncos das palmeiras collossaes…


E como ao depois, quando o cançaço

A sepulta na morna lethargia,

Dormitando repousa todo o dia

Á sombra da palmeira o corpo lasso;


Eu quizera também, adormecido,

Dos phantasmas da febre ver o mar,

Mas sempre sob o azul do seu olhar,

Envolto no calor do seu vestido;


Como os ebrios chineses delirantes

Aspiram, já dormindo, o fumo quieto

Que o seu longo cachimbo predilecto

No ambiente espalhava pouco antes…

Entre o desejo e o ópio, ficaremos sem saber o que aconteceu à condessa e ao mordomo, mas podemos meditar no gozo que promete…

Noticia bibliográfica: O poema de Camilo Pessanha foi retirado da modelar Edição Crítica de CLEPSYDRA preparada por Paulo Franchetti e editada por Relógio D’Água Editores em 1995.


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Finalmente Camilo Pessanha

28 Segunda-feira Nov 2011

Posted by viciodapoesia in Poetas e Poemas

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Camilo Pessanha

E eis quanto resta do idílio acabado,

– Primavera que durou um momento…

Como vão longe as manhãs do convento!

– Do alegre conventinho abandonado…

 

Tudo acabou… Anémonas, hydrângeas,

Silindras, – flores tão nossas amigas!

No clautro agora viçam as ortigas,

Rojam-se cobras pelas velhas lágeas.

 

Sobre a inscrição do teu nome delido!

– Que os meus olhos mal podem soletrar,

Cansados… E o aroma fenecido

 

Que se evola do teu nome vulgar!

Enobreceu-o a quietação do olvido.

Ó doce, ingénua, inscrição tumular.

Prometi a mim mesmo escrever no blog apenas sobre a poesia de que gosto e por isso resisto há mais de um ano a escrever sobre a poesia de Camilo Pessanha (1867-1926). Mas os poemas chamam-me, apesar da recusa que em mim sinto sobre um sentir que me é estranho, como por vezes me acontece com a poesia assinada Álvaro de Campos.

Foi a fotografia que encima o artigo, e fiz há semanas no cemitério do Alto de S. João em Lisboa, que irresistivelmente trouxe ao blog esta poesia de forma mais circunstanciada. Antes apenas tinha transcrito um poema de Camilo Pessanha num artigo brincadeira: Ambrosio, tenho um desejo de poesia, onde efectivamente se brincava também com Tabacaria. Mas vamos a Pessanha.

A poesia de Camilo Pessanha (1867-1926) ressuma lassidão. Não a lassidão feliz do desejo satisfeito nem a lassidão saborosa depois do esforço físico, mas a lassidão do deixar andar entregue à inércia da vontade. Será paradigma desta impressão o poema CREPUSCULAR .

CREPUSCULAR

 Há no ambiente um murmúrio de queixume,

De desejos d’amor, d’ais comprimidos…

Uma ternura esparsa de balidos

Sente-se esmorecer como um perfume.

 

As madressilvas murcham nos silvados

E o aroma que exalam pelo espaço

Tem delíquios de gozo e de cansaço,

Nervosos, femininos, delicados.

 

Sentem-se espasmos, agonias d’ave,

Inapreensiveis, mínimas, serenas…

-Tenho entre as mãos as tuas mãos pequenas,

O meu olhar no teu olhar suave.

 

As tuas mãos tão brancas de anemia,

Os teus olhos tão meigos de tristeza…

– É este enlanguescer da natureza,

Este vago sofrer do fim do dia.

Há uma falta de luz que entristece mesmo quando não nos comovemos com as palavras dum sofrer sem remédio. Sendo poeticamente notáveis os poemas de Clepsydra, alguns são inquestionáveis obras-primas na forma como o assunto se desenvolve conduzindo o leitor pela emoção quando o poeta fala de si e do seu (de)encontro com o mundo.

Porque o melhor, enfim,

É não ouvir nem ver…

Passarem sobre mim

E nada me doer!

 

– Sorrindo interiormente,

Co’as pálpebras cerradas,

Às águas da torrente

Já tão longe passadas. –

 

Rixas, tumultos, lutas,

Não me fazerem dano…

Alheio às vãs labutas,

Às estações do ano.

 

Passar o estio, o outono,

A poda, a cava e a redra,

E eu dormindo um sono

Debaixo duma pedra.

 

Melhor até se o acaso

O leito me reserva

No prado extenso e raso

Apenas sob a erva

 

Que Abril copioso ensope…

E, esvelto, a intervalos

Fustigue-me o galope

De bandos de cavalos.

 

Ou no serrano mato,

A brigas tão propício,

Onde o viver ingrato

Dispõe ao sacrificio

 

Das vidas, mortes duras

Ruam pelas quebradas,

Com choques de armaduras

E  tinidos de espadas…

 

Ou sob o piso, até,

Infame e vil da rua,

Onde a torva ralé

Irrompe, tumultua.

 

Se estorce, vocifera,

Selvagem nos conflitos,

Com ímpetos de fera

Nos olhos, saltos, gritos…

 

Roubos, assassinatos!

Horas jamais tranquilas,

Em brutos pugilatos

Fracturam-se as maxilas…

 

E eu sob a terra firme,

Compacta, recalcada,

Muito quietinho. A rir-me

De não me doer nada.

Poemas de amor e morte, na sua maior parte, é um cheiro a flores apodrecidas que deles se exala, deixando-nos o amargo de uma existência inútil, no efémero de uma floração acontecida fora de tempo.

Floriram por engano as rosas bravas

No inverno: veio o vento desfolhá-las…

Em que cismas, meu bem? Porque me calas

As vozes com que há pouco me enganavas?

 

Castelos doidos! Tão cedo caístes!…

Onde vamos, alheio o pensamento,

De mãos dadas? Teus olhos, que um momento

Perscrutaram nos meus, como vão tristes!

 

E sobre nós cai nupcial a neve,

Surda, em triunfo, pétalas, de leve

Juncando o chão, na acrópole de gelos…

 

Em redor do teu vulto é como um véu!

Quem as esparze – quanta flor! -, do céu,

Sobre nós dois, sobre os nossos cabelos?

Se de Camilo Pessanha quisesse escolher apenas um poema, elegeria este soneto [ Passou o outono já, já torna o frio…]. Ao lê-lo percorre-nos um arrepio gelado, mas corre nele a água limpida por onde se escoa a melancolia, e nela segue a amada morta, permitindo um novo recomeçar, diria eu.

Passou o outono já, já torna o frio…

– Outono de seu riso magoado.

Álgido inverno! Oblíquo o sol, gelado…

– O sol, e as águas límpidas do rio.

 

Águas claras do rio! Águas do rio,

Fugindo sob o meu olhar cansado,

Para onde me levais meu vão cuidado?

Aonde vais, meu coração vazio?

 

Ficai, cabelos dela, flutuando,

E, debaixo das águas fugidias,

Os seus olhos abertos e cismando…

 

Onde ides a correr, melancolias?

– E, refractadas, longamente ondeando,

As suas mãos translúcidas e frias…

Esta versão dos poemas foi transcrita da edição de CLEPSYDRA preparada por Gustavo Rubim e publicada como anexo aos nºs 155/156 da revista COLÓQUIO/LETRAS.

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