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A publicidade contamina-nos a imaginação e anúncios há que à força de os ouvir repetidamente acabam por nos soar na cabeça sem pretexto. Foi o caso de um popular e quase eterno anúncio de televisão a chocolates e que deu o mote a este post. Era um anúncio aos bombons Ferrero Rocher e durante anos passou na televisão por alturas do Natal.
Para os leitores do Brasil onde não sei se o anúncio é ou foi visto, descrevo sucinta e aproximadamente o que dele retive.
Num grande plano, um Rolls-Royce ou semelhante, e um motorista vestido a rigor. No banco de trás uma bela balzaquiana sentada diz languidamente para o motorista: Ambrósio, tenho um desejo de requinte, ou algo parecido. O motorista virando-se ligeiramente no banco da frente onde conduz estende-lhe uma caixa de chocolates.
É esta a fonte para a prosa que anos vai escrevi aqui e a seguir recordo aos novos leitores do blog.
– Ambrósio, tenho um desejo de poesia! clamava a condessa, lânguida, reclinada no banco de trás do carro em que seguiam.
Ambrósio, mordomo/chauffeur para todo o serviço, começa a declamar “A porra do Soriano”
– Essa não, essa não!
– Mas senhora, vós costumais apreciar bastante o assunto.
– Sim, mas apetece-me algo mais requintado. Que tens para me oferecer?
Ambrósio, fazendo-se desentendido:
– Talvez Tabacaria?
(Come chocolates pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafisica no mundo senão chocolates
…
– Que horror Ambrósio, logo Álvaro de Campos! Não, não, já me bastam os Ferrero Rocher. Procura qualquer coisa de gosto mais delicado, talvez oriental…
– Será que madame aprecia Camilo Pessanha?
– Não sei, não conheço. Diz lá:
DESEJOS
Se medito no gozo que promette
A sua boca fresca e pequenina
E o seio mergulhado em renda fina,
Sob a curva ligeira do corpete,
Desejo nun’s transportes de gigante,
Estreitál-a de rijo entre meus braços,
Até quasi esmagar n’estes abraços
A sua carne branca e palpitante;
Como, d’Asia nos bosques tropicaes,
Apertam em spiral auri-luzente,
Os musculos herculeos da serpente
Aos troncos das palmeiras collossaes…
E como ao depois, quando o cançaço
A sepulta na morna lethargia,
Dormitando repousa todo o dia
Á sombra da palmeira o corpo lasso;
Eu quizera também, adormecido,
Dos phantasmas da febre ver o mar,
Mas sempre sob o azul do seu olhar,
Envolto no calor do seu vestido;
Como os ebrios chineses delirantes
Aspiram, já dormindo, o fumo quieto
Que o seu longo cachimbo predilecto
No ambiente espalhava pouco antes…
Entre o desejo e o ópio, ficaremos sem saber o que aconteceu à condessa e ao mordomo, mas podemos meditar no gozo que promete…
Noticia bibliográfica: O poema de Camilo Pessanha foi retirado da modelar Edição Crítica de CLEPSYDRA preparada por Paulo Franchetti e editada por Relógio D’Água Editores em 1995.