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A desprezada poesia neo-clássica que pelo século XVIII em Portugal se escreveu, contém exemplos de graça poética, harmonia singela e por vezes inventiva, no cantar os recorrentes assuntos que a ocupam.
Um destes assuntos é a descrição das incomparáveis belezas da amada.
Pouco importa nesta poesia se a mulher objecto da paixão era na verdade assim. Em poesia nunca é a verdade que importa. Reino do subjectivo e não de notícias, a leitura da poesia é do soberano domínio da emoção.
Os olhos do apaixonado assim a vêm e dão-nos conta do tumulto que em si provoca tal visão (real, sonhada ou imaginada).
No leitor, o transporte para o seu universo fará o caminho da procurada empatia.
Na curta obra de António Gomes da Silveira Malhão (1758-1785) escolho a Ode VI.
Nesta ode estamos perante algo mais subtil que o louvor da amada. Estamos perante a reunião na mulher de tudo o que mais belo tem a natureza, e ao homem, porque ela existe, apenas a inevitabilidade da paixão e o sofrimento de amor lhe resta.
ODE VI
Todos os dotes
De mais beleza
Que tinha ocultos
A natureza,
Dos áureos cofres
Amor furtou
E unindo-os todos
Marcia formou.
Saiu-lhe a obra
Tão rara, e bela,
Que Amor, formando-a,
Pasmou de vê-la!
Depois contente
Por lhe ter feito
Tão lindo o rosto,
Tão alvo o peito,
Deu neste dia
Geral perdão
Aos que gemiam
No seu grilhão.
Mas se Amor, terno,
Todos soltou,
De novo Márcia
Os cativou!
A curta obra de António Gomes da Silveira Malhão foi apenas publicada postumamente por seu irmão, Francisco Manuel Gomes da Silveira Malhão (1757-1816).
Transcrevi a Ode VI, com modernização da ortografia, de Vida e Feitos de Francisco Manuel Gomes da Silveira Malhão, Tomo III, Lisboa, 1797.
Notícias biográficas dos dois irmãos podem ser encontradas na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Tomo 16.
A data da morte do poeta António G. S. Malhão decorre do relatado na obra Vida e Feitos… Tomo III.