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A espaços trago ao blog poemas de amor e seu desejo. Hoje é um soneto vindo das terras quentes de Cabo Verde, Desejo Louco, inspiração de Jorge Barbosa (1902-1971) quando jovem.

Nunca são inesperados os poemas que dão conta da sedução do corpo e manifestações do desejo, por mais que a imagem pública da obra de um poeta nos remeta para outras atmosferas como acontece com a poesia de Jorge Barbosa e noutra ocasião aqui trarei. No entanto, para dar conta da faceta de preocupação humana e social na poesia de Jorge Barbosa, abro com o poema Prostíbulo incluído no livro Ambiente de 1941:

 

Prostíbulo

 

Era a primeira vez

que vinha

dançar

à marinhagem dos vapores

aquela preta infantil.

 

Seu corpo nu

grácil

que não chegou ainda

à adolescência

estremece 

num ritmo

bárbaro

e quente

aos olhares

daquela gente 

estrangeira.

 

Nem era dança

essa dança

sem mutações:

 

apenas vibrações

e delírios

dos músculos

de um corpo galvanizado…

 

O mulherio da assistência 

bate palmas

ao som

do tom

da música perversa.

 

Sem vidro

o candeeiro

deixa

no recinto

um cheiro

a fumo de petróleo

que asfixia

e se ajunta

ao fumo do tabaco

e ao cheiro da miséria…

 

     E nos olhos da juvenil bailadeira

     havia,

     como coisa esquecida,

     a expressão longínqua

     da ingenuidade

     de uma infância perdida…

 

 

E agora esse Desejo Louco de que fala o título do artigo.

 

 

Desejo Louco

 

Aperta-me em teus braços torneados, 

Aperta-me ao teu seio palpitante!

Ai! deixa-me sonhar, a alma errante 

Pelas regiões do Amor, sonhos dourados!

 

Vê como a noite é calma e enluarados 

Os campos têm cor esbranquiçante… 

Aperta-me nos braços, minha amante, 

Dá-me os teus lábios frescos e rosados… 

 

Como dois pombos, nós assim unidos, 

E lá no Céu, boiando, triste, a lua,

Terá a Vida encantos reunidos!…

 

E eu hei-de-te despir, pra ver-te nua, 

À luz do luar, os seios languescidos… 

— Pra ver a tua carne como estua!…

São Vicente, Cabo Verde

 

Publicado no Jornal da Europa, 22/04/1928

Transcrito de Jorge Barbosa, Obra Poética, INCM, Lisboa, 2002.

 

 

Abre o artigo a imagem de uma pintura do artista brasileiro Lasar Segall (1891-1957), Perfil de Zulmira, de 1928.