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Hoje      há um melancólico mar

que afeiçoa tuas coxas jovens

de mulher

 

Na ternura da pensativa tarde

nua e só

teus olhos cantam uma canção que se vê

 

triste

do Poema 9

 

 

Os amores de Verão, quando vividos na juventude, ainda que efémeros, acompanham-nos vida fora como momentos de vivida felicidade absoluta. Já por mais de uma vez aqui o referi e é sempre agradável lembrá-lo. E hoje a lembrança vem a pretexto de alguns poemas de um livrinho de juventude de Dórdio Guimarães (1938-1997).

É erótica a poesia de Dórdio Guimarães de que tenho notícia. Com a obra publicada em vários pequenos livros, alguns são hoje raros. É de um desses livros em edição de autor, tinha o poeta 22/23 anos, Mar de Verão (1961), que hoje transcrevo alguns poemas. 

Há o longo perfume do amor

no teu corpo.       a vibrar

voluptuoso.      em estertor

como um pássaro.      na dor

do poema 17

 

 

São poemas/relato do incêndio de uma paixão de verão, sem o rebuscado da linguagem poética que mais tarde a sua poesia veio a conhecer, (talvez influência de Natália Correia com quem posteriormente foi casado, e é exemplo maior o longo poema que esta escolheu para encerrar a Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica).

Estes poemas de juventude, raros pela franqueza dos relatos, e incomuns na poesia portuguesa onde à época o pudor era rei, dir-se-á, não são obras-primas! Não são. Mas são poemas que preenchem um vazio no panorama da poesia erótica em Portugal, tão rara dela, e onde a linguagem dá conta do calor dos corpos em desejo, sem eufemismos ou vulgaridades.

Poema 16

No silêncio destes corpos mudos

desce o tempo      hora a hora       lento

manto submarino      de algas   

sargaços      peixes azuis

objectos vivos ou inúteis

do estranho mundo desolado

do pensamento

 

suavemente        liquidamente

um sol de fogo no mar arrefecia

um seio teu cedia        à minha boca humedecida

distante        violeta

o grasnar de uma gaivota desaparecia

no imenso dia que morria

 

e nós

nós dramaticamente

abstractos no espaço

sem cansaço

amando as nossas carnes

insignificantemente

 

 

Poema 14

Pela primeira vez       os dois

vivemos a narrativa do mar      prometido

 

Pela primeira vez       os dois

nus         raciocinados

vivemos o ardor

do sal viajando o sangue

 

a pureza do vento desalinhando

estes cabelos rígidos da cidade

a memória do tempo dissipada

pela repetição das ondas      na harmonia da praia

 

Nossos olhos são uma janela aberta

 

Pela primeira vez        os dois

originais

vivemos no mar        a descoberta!

 

 

Já com outra maturidade poética são estes dois poema do livro Os Cinco Sentidos de Lisboa, Galeria Panorama, Lisboa, 1970, com que termino esta volta.

 

Dois Poemas

 

1

como guelras abertas

a todo o comprimento dos corpos

os amantes bebem-se babam-se

cospem-se respiram-se

 

lisboa é o lençol a colcha

talvez a coxa do outro

e o tejo é mais azul

que a química do ar

 

aquilo irrequieto que escoicinha

quieto o potro

 

2

luxo de pérolas a abrir

te amacia o asfalto

e pernas brancas de fêmea

te apelam de salto alto

se excita o útero vulcânico

seu ciciar de granito

vagina imensa que solta

no tejo a voz do apito

 

 

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Tom Wesselmann (1931-2004), Seascape No. 22, 1967, colecção do artista.