Etiquetas
Volto à difícil arte do soneto com uma das primeiras brincadeiras sobre a dificuldade de expressar em soneto uma ideia, sentimento, ou acontecimento, na rigidez da sua forma rimada (em quatorze versos de dez sílabas), com a exigência adicional de exposição, desenvolvimento, e conclusão do assunto.
Já antes aqui no blog, e no artigo A difícil arte do soneto, dei conta de alguns exemplos e considerações a este propósito, com o destaque especial do soneto Quatorze versos, de Alexandre O’Neill. Regresso agora com um soneto de Baltazar del Alcázar (1530-1606) no qual o poeta tenta, sem o conseguir antes que o soneto acabe, expressar um segredo à sua bela inimiga Inês.
Bela inimiga seria, no contexto poético do tempo, uma mulher desejada que não respondia ao assédio desse desejo. Sendo o soneto à época uma privilegiada forma de expressar o desejo amoroso, tal está subentendido no segredo que o poeta quer contar e não consegue. Temos pois com este exercício poético a ironia de escrever um soneto sem assunto, continuando em silêncio o desejo que o poeta pretendia expressar.
A Inês, e com Inês, tem o poeta alguns deliciosos poemas burlescos que certamente trarei ao blog noutra ocasião. Por agora a brincadeira poética à volta de expressar o desejo amoroso escrevendo um soneto:
Soneto
Decidi revelar-vos em soneto
O meu segredo, Inês, bela inimiga;
Mas, por mais ordem que ao fazê-lo eu siga,
Não pode já caber neste quarteto.
Chegados ao segundo, vos prometo
Que não se há-de el’ passar sem que eu o diga;
Mas estou feito, Inês, uma formiga
Que tonta gasta os versos do soneto.
Vêde, ó minha Inês, quão duro é o fado,
Se tendo eu o soneto em minha boca
E a ordem de dizê-lo já estudado,
Lhe conto os versos todos, e hei notado
Que, pela conta que a um soneto toca,
Já este meu, Inês, vai acabado.
Tradução de Jorge de Sena
Transcrito de Poesia de 26 Séculos, antologia, tradução, prefácio e notas de Jorge de Sena, edição Fora do Texto, Coimbra, 1993.
Termino com o original do soneto:
Yo acuerdo revelaros un secreto
en un soneto, Inés, bella enemiga;
mas, por buen orden que yo en éste siga,
no podrá ser en el primer cuarteto.
Venidos al segundo, yo os prometo
que no se ha de pasar sin que os lo diga;
mas estoy hecho, Inés, una hormiga,
que van fuera ocho versos del soneto.
Pues ved, Inés, qué ordena el duro hado,
que teniendo el soneto ya en la boca
y el orden de decillo ya estudiado,
conté los versos todos y he hallado
que, por la cuenta que a un soneto toca,
ya este soneto, Inés, es acabado.
Abre o artigo a imagem do detalhe de uma pintura de Johannes Vermeer (1632-1675).
Reblogged this on O LADO ESCURO DA LUA.
GostarGostar