Perante a incontinência fotográfica dos nossos dias, parece desnecessário um Dia Mundial da Fotografia.
Cada humano com acesso à tecnologia de hoje, possui uma câmara fotográfica, se não duas, três, ou mais. Olha, dispara, fotografa-se a si, fotografa ao redor, e fica feliz.
Poucos gestos com a tecnologia na mão darão mais prazer que o gesto de fotografar, daí o seu sucesso. E é acumular fotografias até à mais absoluta indiferença, sobre o que foi um prazer sobreposto a outros.
Passear, olhar em redor, desfrutar do que se vê? Não! Fotografar para ver mais tarde em quadradinho o que podia ter sido contemplado na magnificência do real. Deste fenómeno hodierno, turistas japoneses e chineses são o requinte máximo.
Há tempos, numa pausa de passeio, enquanto bebericava uma cerveja, duas amigas que me acompanhavam, mostravam-se fotos. As fotos passavam, trá-lá-lá, e a certa altura diz uma:
— Isto nunca mais acaba. Só neste telemóvel tenho mais de oito mil fotos!
Responde a outra com um misto de inferioridade e inveja na voz:
— Eu pouco mais tenho que seis mil!
A fotografia familiar como preservação de memória é uma aquisição tecnológica preciosa para as nossas vidas. Já a memória fotográfica dos lugares nos moldes correntes hoje, com o pico Facebook que se conhece, tenho dúvidas. E não falo dos casos extremos que o NYT referia há dias em crónica, de gente que se faz fotografar em férias por fotógrafos pagos, com o propósito de obter fotos glamorosas e publicá-las no Facebook para amigo ver, mas do vai aqui, foto no Facebook, vai ali, foto no Facebook!
Acontece que o fotografar turístico pode ter consequências sociais e políticas sérias como o que recentemente aconteceu em praias francesas. Ao que li na imprensa, a reacção francesa ao uso de burkini nas praias, com a sua proibição em algumas, decorreu dos tumultos desencadeamos em praia da Córsega quando turistas fotografaram mulheres banhistas em burkini.
Este burkini enquanto vestimenta de banho nada tem a ver com a burqa, a qual, como traje de ofensa pública, pode ser discutida nos mesmos termos que o circular nu em locais públicos coloca: que limites aceitamos no convívio social entre desconhecidos.
O burkini, no entanto, é a meu ver, elegante e sexy. Quando agarrado ao corpo, desenhando as formas de mulher, permite expôr uma elegância equivalente a um traje de surf ou pesca submarina, quando o corpo a tem. Bastante melhor que as camisas de noite qua ainda hoje as festeiras do dia de São João da Degola levam para o mar e depois do banho permanecem molhadas e agarradas ao corpo em sedutoras formas rugosas. Literariamente Manuel Teixeira-Gomes dá desta festa na Praia da Rocha, em Portimão, no Algarve, uma voluptuosa descrição, penso que em Inventário de Junho, mas aqui em férias não o posso confirmar.
Se esta festa de S. João da Degola era dos momentos mais esperados em finais de Agosto nas férias na praia da minha adolescência, a primeira vez que me cruzei com mulheres em burkini, foi bastante mais tarde, há alguns anos apenas, numas férias no Egipto. Do meu ponto de vista, estes burkinis contribuem para dar variedade à paisagem humana das praias introduzindo uma nova ocupação do olhar naquele nada que fazer que é estar à beira-mar.
Num meio caminho entre a burqa e o burquini, deixo-vos a fotografia de abertura desta conversa de férias onde espreita o olhar atrevido de uma bela egípcia que fotografei ao tempo dessas férias no Egipto.
Muito obrigado!
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Reblogged this on nós and commented:
absolutamente brilhante!
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