Etiquetas
É uma especial leitura do Estoicismo vindo dos gregos, a filosofia de vida expendida por Alberto Caeiro (heterónimo de Fernando Pessoa (1888-1935)) no poema que mais à frente transcrevo integralmente.
Aceito as dificuldades da vida porque são o destino,
Como aceito o frio exccessivo no alto do inverno —
Calmamente, sem me queixar, como quem meramente aceita,
E encontra uma alegria no facto de aceitar —
No facto sublimemente científico e difícil de aceitar o natural inevitável.
Nas voltas da vida, umas vezes a aprendizagem pelo sofrimento faz-se de sopetão, outras espalha-se ao longo da existência, entremeando a alegria de estar vivo com a experiência da dor em redor; mas cedo ou tarde, incorporamos a evidência de que a nossa capacidade de determinar o destino é restrita às opções de vida que escolhemos fazer. E o resto, o mundo e o seu voltear, seguem na sua indiferença. E da aceitação desta evidência decorre uma alegria tranquila que ecoa neste poema de Fernando Pessoa assinado Alberto Caeiro.
Mas tem mais, o poema. Tem o corolário da reflexão desenvolvida, e difícil de aceitar para mentes formadas no racionalismo, que o mundo não é compreensível apenas pela inteligência (e que caminho é preciso percorrer até aceitar esta outra evidência…):
Nasci sujeito como os outros a erros e a defeitos,
Mas nunca ao erro de querer compreender demais,
Mas nunca ao erro de querer compreender só com a inteligência,
Nunca ao defeito de exigir do mundo
Que fosse qualquer coisa que não fosse o mundo.
Feito o intróito, vamos ao poema completo.
Quando está frio no tempo frio, para mim é como se estivesse agradável,
Porque para o meu ser adequado à existência das coisas
O natural é o agradável só por ser natural.
Aceito as dificuldades da vida porque são o destino,
Como aceito o frio excessivo no alto do inverno —
Calmamente, sem me queixar, como quem meramente aceita,
E encontra uma alegria no facto de aceitar —
No facto sublimemente científico e difícil de aceitar o natural inevitável.
Que são para mim as doenças que tenho e o mal que me acontece
Senão o inverno da minha pessoa e da minha vida?
O inverno irregular, cujas leis de aparecimento desconheço,
Mas que existe para mim em virtude da mesma fatalidade sublime,
Da mesma inevitável exterioridade a mim,
Que o calor da terra no alto do verão
E o frio da terra no cimo do inverno.
Aceito por personalidade
Nasci sujeito como os outros a erros e a defeitos,
Mas nunca ao erro de querer compreender demais,
Mas nunca ao erro de querer compreender só com a inteligência,
Nunca ao defeito de exigir do mundo
Que fosse qualquer coisa que não fosse o mundo.
[24-10-1917]
Transcrito de Poemas Completos de Alberto Caeiro, recolha, transcrição e notas de Teresa Sobral Cunha, Editorial Presença, Lisboa 1994.
Nesta edição o poema tem o nº49 dos Poemas Inconjuntos.
Iconografia
No livro da vida, e nas suas múltiplas perspectivas, quadra, como alegoria, a imagem desta obra cubista de Juan Gris (1887-1927), O livro.