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A vida raramente corre como a desejamos. Na infinita capacidade humana de adaptação ao inesperado cruzam-se os mais variados sentimentos e deles, frequentemente, a poesia dá conta. Hoje fala-nos da tristeza um poema de Teixeira de Pascoaes (1877-1952).
Tristeza
O sol do outono, as folhas a cair,
A minha voz baixinho soluçando,
Os meus olhos, em lagrimas, beijando
A mística paisagem a sorrir…
Assim a minha vida transitando
Vai, à tona da terra… E fico a ouvir
Silencios do outro mundo e o resurgir
De mortos que me foram sepultando…
E fico mudo, extático, parado
E quasi sem sentidos, mergulhado
Na minha viva e funda intimidade…
A mais longínqua estrela em mim actua…
Inunda-me de mágoa a luz da lua,
E sou eu mesmo o corpo da saudade.
É complexa e intelectualmente exigente a poesia de Teixeira de Pascoaes. Sob a simplicidade do verso surgem sempre ontológicas interrogações num constante diálogo entre o homem, ser de relação, e o animal sensível às mutações da natureza.
Para os mais informados permanece, talvez, como imagem de Teixeira de Pascoaes, a expressão com que Unamuno se lhe referiu — dizia adeus ao sol, falava ao vento, saudava a aurora e lia no Infinito —. Visão provavelmente certeira do homem que a sua poesia incorpora.
É tudo sonho e vida e comoção!
O sol é uma oração
Pelos velhos mendigos que têm frio!
E a piedade das sombras, pelo estio!
A nuvem religiosa
Mata a sede à paisagem sequiosa…
O luar perdoa à noite; e cada flor
É dádiva de amor.
(Poema II de Nova Luz, in Vida Etérea)
Os belos versos sucedem-se e não conseguiria parar de citar. Mas deste mesmo ciclo, Nova Luz, o poema I abre assim:
Emana um fumo de alma o crepitar do lume:
O incêndio duma flor dá a cinza do perfume.
O corpo de uma onda é o líquido braseiro,
Que exala, no infinito, o branco nevoeiro.
…
Para quem tenha curiosidade desta poesia e se iniba perante a sua aparente estranheza neste nosso tecnológico século XXI, atrevo-me a sugerir o livro Vida Etérea, onde em belíssima exaltação da vida os poemas se sucedem. Por hoje, cito ainda desse livro, e do poema Deslumbramento os quatro versos iniciais:
A vida é sonho, amor, exaltação.
Flama a irromper da eterna escuridão.
É lume a flor e a sombra amanhecente
A terra é carne, a luz é sangue ardente.
As transcrições dos poemas foram feitas da edição dos livros Elegias e Vida Etérea, Assírio & Alvim, Lisboa, 1998.
Abre o artigo uma imagem da pintura de Arnold Böcklin (1827-1901) – Ulisses e Calypso.
Foi com imensa emoção que li a poesia profunda de Teixeira Pascoaes. Grata pela partilha.Se um dia tiver acesso ao livro Elegia de Amor, é uma aquisição que faço gosto em ter.
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Li com comoção e, rendo-me.
Grata, muito grata pela partilha
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