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Despida de preconceitos, a nossa bela lê. Se não lê poesia, leremos nós por ela, em sua bela companhia.
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Onde porei meus olhos que não veja
A causa, donde nasce meu tormento?
A que parte irei co pensamento
Que para descansar parte me seja?
Já sei como se engana quem deseja,
Em vão amor, firme contentamento:
De que nos gostos seus, que são de vento,
Sempre falta seu bem, seu mal sobeja.
Mas inda, sobre claro desengano,
Assim me traz esta alma sojigada
Que dele está pendendo o meu desejo…
E vou de dia em dia, de ano em ano,
Após um não sei quê, após um nada;
Que, quanto mais me chego, menos vejo!
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Da vossa vista a minha vida pende,
Maior bem para mim não pode ser
Que ver-vos, mas não ouso de vos ver;
Que vosso alto respeito mo defende.
O meu amor, que o vosso só pretende,
Receio que se venha a conhecer,
Nos olhos, que mal podem esconder
O desejo, dum peito que se rende.
Por vós a tal estremo d’Amor venho,
Que com força resisto a meu desejo,
Porque nada de mim vos descontente.
Mas neste mal, senhora, este bem tenho,
Que sempre tal, qual sois, n’alma vos pinto
Sem dar que ver, nem que falar à gente.
Sonetos LXXIII e LIX de Diogo Bernardes (1530-1605), Rimas Várias—Flores do Lima.